Creche

Olá queridos,
Aqui vamos compartilhar os materiais pesquisados para a Formação em Polo (DDPM/SEMED) "Infância e aprendizagem na creche".
Abraços
Prof Jocicleia


Texto para leitura e reflexão acerca da teoria histórico cultural e aprendizagens e vivências na creche. Boa leitura!

A Educação das Crianças de Zero a Três Anos

Suely Amaral Mello

Antes de discutir a educação das crianças pequenas, e para que esta discussão se torne o ponto de partida para um aprendizado constante daqueles e daqueles que querem se tornar educadores e educadoras dos pequenos, precisamos ter claros alguns princípios teóricos que nos permitam organizar para nós uma teoria sobre o desenvolvimento infantil. Este processo de construção/apropriação de uma teoria envolverá um conjunto de aprendizados que, podemos dizer, não acaba nunca e se alimenta das nossas reflexões individuais e coletivas sobre a nossa prática, as práticas dos colegas, as práticas de outros educadores que conhecemos através de vídeos, leituras, relatos, das reflexões teóricas permitidas pelas pesquisas dos outros e pelas próprias pesquisas que podemos desenvolver a partir de nosso trabalho. Tudo isso, no entanto, exige o conhecimento consistente de uma teoria –ou de mais de uma teoria- que oriente nossa ação e reflexão. A teoria que adotamos para subsidiar nossas discussões neste curso é a teoria histórico-cultural, mais conhecida entre nós, brasileiros, como Escola de Vygotsky. Por que? Por duas razões: primeiro porque seus fundamentos e princípios orientadores têm sido amplamente confirmadas por pesquisas recentes na área das neurociências. Em segundo lugar, porque, entre as diversas teorias que buscam explicar o desenvolvimento humano, a teoria histórico-cultural é a que mais faz avançar a busca por uma educação infantil que permita o desenvolvimento de cada criança para ser “gente pra brilhar e não pra morrer de fome”, como diz Maiakówski na voz de Caetano Velloso. Vamos ver porque.

A Escola de Vygotsky


1. Introdução
A Teoria Histórico-Cultural constituiu-se como uma vertente da psicologia que se desenvolvia na então União Soviética, nas décadas iniciais do século XX. Os autores que auto-denomiram sua corrente de pensamento como histórico-cultural tinham razões para isso: partiam do pressuposto de que o homem é um ser de natureza social. O que significa isso? Admitida a origem animal dos homens, restava à ciência explicar suas especificidades frente aos outros animais: como se forma, no homem, sua inteligência, sua personalidade ... em uma palavra, a consciência humana que faz de cada pessoa um ser único e irrepetível?

Outras correntes da psicologia, presentes no cenário no início do século passado, ou simplesmente ignoravam a consciência e tratavam apenas de explicar os elementos mais simples do comportamento humano ou explicavam a consciência dos homens apelando para uma dádiva divina. Insatisfeito com essas explicações, Vygotsky, o fundador da teoria histórico-cultural, retoma os estudos de Karl Marx, realizados no século XIX, que apontavam que os homens não são dotados de muita ou pouca inteligência, solidários ou egoístas, plenos ou vazios de aptidões para a poesia, para a música, para a ciência devido a uma vontade divina. Da mesma forma que os homens não são ricos ou pobres por uma decisão divina, mas devido ao lugar que ocupam nas relações sociais –que, diga-se de passagem, foram criadas pelos homens ao longo da história-, também não têm mais ou menos capacidades, mais ou menos habilidades, mais ou menos aptidões para as artes, para a filosofia e para a ciência por um presente ou castigo divino, mas devido a suas condições materiais de vida e de educação, que são condicionadas pelo lugar que os homens ocupam nas relações sociais.
Vem daí, pois, o nome dessa corrente de psicologia: da compreensão de ser humano –do conceito de homem- que fundamenta os estudos e investigações dessa teoria. Do ponto de vista da teoria histórico-cultural, a criança não nasce com o conjunto de aptidões, capacidades e habilidades, que terá quando adulta, já dadas no nascimento, como potencialidades que ela vai desenvolver mais ou desenvolver menos, de acordo com o meio em que ela vive, mas sempre dentro daquele conjunto de possibilidades que ela já traz consigo. Não. Para a teoria histórico-cultural, a criança nasce com uma única potencialidade: a potencialidade para aprender potencialidades; com uma única aptidão: a aptidão para aprender aptidões; com uma única capacidade: a capacidade ilimitada de aprender e, nesse processo, desenvolver sua inteligência e sua personalidade. Em outras palavras, o ser humano não nasce humano, mas aprende a ser humano com as outras pessoas -com as gerações adultas e com as crianças mais velhas-, com as situações que vive, no momento histórico em que vive e com a cultura a que tem acesso. O ser humano é, pois, um ser histórico-cultural: por isso, as habilidades, capacidades e aptidões humanas necessárias à vida eram umas na Pré-História, outras na Idade Média, outras ainda no início da Revolução Industrial e outras nesse momento da nossa história. Além disso, diferem de um grupo social para outro, de acordo com o acesso que cada pessoa tem à cultura.
Quando falamos em cultura queremos dizer tudo o que os seres humanos vieram criando ao longo da história: tanto coisas materiais como as não-materiais. As coisas materiais da cultura são constituídas pelos instrumentos de trabalho, as máquinas, os objetos que utilizamos para as mais diferentes atividades -o que usamos para vestir, mobiliar a casa e a própria casa, só para dar um pequeno exemplo do conjunto enorme de objetos que os homens vieram criando ao longo da história. As coisas não-materiais formam um conjunto igualmente extenso constituído pelos hábitos e costumes de um povo, a língua que falam, os conhecimentos, as artes, as idéias... Então, o ser humano depende daquilo que aprende, do que conhece e utiliza da cultura acumulada para ser aquilo que é.

2. Quem é o ser humano?
Diferentemente dos outros animais –que trazem, ao nascer, o conjunto de habilidades que vão desenvolver na idade adulta-, o homem precisa aprender as habilidades que poderá desenvolver. Isto pode parecer uma vantagem para os animais, no entanto, isto determina que os animais não se desenvolvam para além daquelas habilidades que já lhes vêm dadas biologicamente. Com isso, os animais repetem sempre suas gerações anteriores: aquilo que um animal aprende em sua experiência individual não é transmitido para as futuras gerações, ou seja, não acumulam conhecimento de uma geração para outra, não fazem história. Só para exemplificar, um gato caça hoje, como sempre caçou ao longo da história. Já o ser humano, sem as habilidades dadas biologicamente, precisa aprendê-las e as aprende sempre com a geração com que convive e no mundo em que vive.
O homem, desde o princípio da história humana, não parou de modificar suas condições de vida e a si próprio. Ao mesmo tempo, todo o conhecimento e todos os objetos que foi criando, não pararam de se transmitir de uma geração para outra, o que possibilitou a história humana. Essa transmissão -de uma geração para outra- dos conhecimentos, aptidões e habilidades que foram sendo criadas ao longo da história só se tornou possível devido a uma forma de atividade absolutamente própria dos homens: a criação de objetos externos da cultura –os instrumentos de trabalho, as máquinas, os objetos, a arte- que não existiam no início da história humana e se tornaram possível através da atividade criadora e produtiva específica do homem: o trabalho. Ao construir esse conjunto de objetos que constituem a cultura humana, os homens foram criando também as aptidões, habilidades e capacidades humanas necessárias a sua utilização e que foram ficando como se estivessem cristalizados nesses objetos da cultura. Assim, cada nova criança que nasce, nasce num mundo pleno de objetos que escondem aptidões, habilidades e capacidades que foram sendo criadas ao longo da história e que são, portanto, modificadas a cada nova geração, com o aperfeiçoamento de objetos já existentes e com a criação de novos. Ao aprender a utilizar os objetos da cultura que encontra na sociedade e no momento histórico em que vive, cada novo ser humano reproduz para si aquelas capacidades, habilidades e aptidões que estão cristalizadas naqueles objetos da cultura a que tem acesso. Desta forma, diferentemente dos filhotes dos outros animais, cada nova geração de seres humanos não nasce para repetir as aptidões da espécie, mas para aprender as aptidões necessárias à utilização da cultura no mundo e no momento histórico em que vive, uma vez que cada nova geração começa a vida num mundo de objetos e situações sociais que foram criados pelas gerações que a precederam. À medida que aprende a utilizar a cultura, a criança se desenvolve.

3. A educação move o desenvolvimento humano
Em outras palavras, o processo de desenvolvimento resulta do processo de aprendizagem. Esse processo de aprendizagem da cultura e de reprodução das aptidões humanas nela encarnadas é um processo socialmente mediado. O que significa isso? As aptidões humanas que estão cristalizadas nos objetos da cultura, não estão expostas nesses objetos. A criança só se apropria das aptidões cristalizadas nesses objetos quando ela aprende a realizar a atividade adequada para a qual o objeto foi criado. Para dar um exemplo, só nos apropriamos da colher para  quando aprendemos a utilizá-la de acordo com o uso social para o qual foi inventada. Para isso, é necessária a mediação de um parceiro mais experiente que demonstre seu uso ou que nos instrua verbalmente sobre como usar o objeto. Esse processo pode ser intencional -ou seja, realizado quando o parceiro mais experiente tem a intenção explícita de ensinar- ou pode ser espontâneo –ou seja, realizado sem a intenção explícita de ensinar, como por exemplo, quando aprendemos a usar a colher observando alguém. De uma forma ou de outra, pela sua função, o processo de apropriação é sempre um processo de educação. É esse processo que garante a transmissão do desenvolvimento histórico da humanidade para as gerações seguintes e possibilita a história. Para ilustrar essa idéia, se o nosso planeta fosse vítima de uma catástrofe que apenas poupasse as crianças pequenas e os objetos da cultura e fizesse desaparecer os adultos, a vida humana continuaria, mas a história da humanidade teria que recomeçar, pois, sem ter quem ensinasse às crianças o uso dos tesouros da cultura, eles continuariam e existir fisicamente, mas não poderiam ser apropriados pelas crianças: as máquinas deixariam de funcionar, os livros ficariam sem leitores, as obras de arte perderiam sua função estética. A história, portanto, só é possível com a transmissão às novas gerações das aquisições da cultura humana.
Assim, enquanto os animais têm apenas duas fontes de conhecimento –o instinto e a experiência individual que termina com sua morte-, o homem têm três fontes essenciais de conhecimento: a herança biológica –que é o ponto de partida necessário ainda que não suficiente para o desenvolvimento daquelas características tipicamente humanas como a linguagem, a memória e a atenção voluntárias, o pensamento, o controle da própria conduta-, a experiência individual -que deixa suas marcas na cultura e na história humana- e a experiência humana: a herança social através da qual as gerações passadas transmitem suas experiências, seus conhecimentos, suas habilidades, suas aptidões e suas capacidades e as novas gerações recebem das gerações anteriores tudo o que foi criado antes: os objetos da cultura material (as máquinas, as casas, os objetos) e da cultura não-material ou intelectual (a linguagem, as artes, as ciências), reproduzindo nesse processo, as aptidões criadas até então.

4. Para que serve a educação?
Essa compreensão de homem e de como ele se desenvolve -que é assumida pela teoria histórico-cultural- vai condicionar toda a compreensão que esta teoria tem da questão educacional. Uma vez que a teoria concebe todo o processo de desenvolvimento das qualidades tipicamente humanas como um processo de educação, suas investigações envolvem sempre contribuições para refletirmos sobre o processo educativo, de um modo geral, e a prática pedagógica escolar, em especial.

O primeiro elemento a ser considerado é o próprio conceito de educação. Essa nova compreensão -de que as forças que movem o desenvolvimento humano é a vida- reserva para a educação um papel fundamental. Se o ser humano não nasce humano, mas precisa aprender a ser um ser  humano, então a educação é essencial para que a criança se torne um representante da humanidade e, sem a educação, isto não acontecerá.
Antes de conhecermos a teoria histórico-cultural, pensávamos -conforme havíamos aprendido com as teorias anteriores- que o ser humano já carregaria, ao nascer, o conjunto de aptidões, habilidades e capacidades que teria quando adulto. Deste ponto de vista, aprendemos a pensar que a educação deveria facilitar o desenvolvimento das qualidades que estariam naturalmente dadas no nascimento. Essas teorias que chamamos naturalizantes, entendem que o desenvolvimento das qualidades do ser humano –de sua inteligência e de sua personalidade- acontece naturalmente à medida que a criança vai crescendo. Ou seja, aquilo que a criança traz consigo ao nascer basta para seu desenvolvimento: as condições concretas de vida e de educação contribuirão para esse desenvolvimento, mas não são essenciais para tal desenvolvimento uma vez que não criam qualidades que não existirem naturalmente dadas no nascimento. Tais teorias –que tem Piaget como seu principal representante- trouxeram um certo imobilismo para a atuação do educador, pois, as qualidades que o sujeito não trouxesse consigo, de nada adiantaria tentar formar.
Com a teoria histórico-cultural, aprendemos que o papel da educação é garantir a criação de aptidões que são inicialmente externas aos indivíduos, e que estão dadas como possibilidades nos objetos materiais e intelectuais da cultura. Para garantir a criação de aptidões nas novas gerações, é necessário que as condições de vida e educação possibilitem o acesso dos indivíduos das novas gerações à cultura historicamente acumulada.

5. A criança se torna pessoa através das pessoas
Os educadores – os pais, a professora, as gerações adultas, os parceiros mais experientes - têm papel essencial nesse processo, pois as crianças não têm condições de decifrar sozinhas as conquistas da cultura humana. Isso só é possível com a orientação e a ajuda constante dos parceiros mais experientes, no processo da educação e do ensino. Nesse sentido é que o educador é o mediador da relação da criança com o mundo que ela passa a conhecer, pois os objetos da cultura só fazem sentido quando aprendemos seu uso social –e o uso social das coisas só pode nos ensinar quem já sabe usá-las. Na relação com o parceiro mais experiente, o velho relógio de pulso de ponteiros deixa de ser um objeto quadrado ou redondo - com números de 1 a 12 distribuídos em torno de um eixo, com dois ponteiros que giram num espaço recoberto por um vidro e é preso a duas correias - e passa a ser um instrumento para marcar a passagem das horas. Ou seja, apenas pela experiência social o objeto assume o fim para o qual ele foi criado.
Conforme Vygotsky, as funções psíquicas humanas -como a linguagem oral, o pensamento, a memória, o controle da própria conduta, a linguagem escrita, o cálculo–, antes de se tornarem internas ao indivíduo, precisam ser vivenciadas nas relações entre as pessoas: não se desenvolvem espontaneamente, não existem no indivíduo como uma potencialidade, mas são experimentadas inicialmente sob a forma de atividade interpsíquica (entre pessoas) antes de assumirem a forma de atividade intrapsíquica (dentro da pessoa). Se a apropriação da linguagem oral, do pensamento, da memória, da linguagem escrita e do cálculo resulta de um processo de internalização de processos externos, então a ação do educador é de suma importância para dirigir intencionalmente  o processo educativo. O educador não é, pois, um facilitador no sentido de que possibilita um nível de desenvolvimento que aconteceria independentemente da aprendizagem. Do ponto de vista da teoria histórico-cultural, a tarefa do educador é garantir a reprodução, em cada criança, das aptidões humanas que são produzidas pelo conjunto dos homens e que, sem a transmissão da cultura, não aconteceria. Para garantir a apropriação dessas qualidades, é preciso que os educadores identifiquem aqueles elementos culturais que precisam ser assimilados pelas crianças para que elas desenvolvam ao máximo as aptidões, capacidades, habilidades criadas ao longo da história pelas gerações antecedentes e, ao mesmo tempo, é necessário que descubra as formas mais adequadas de garantir esse objetivo. Antes de discutirmos essa questão mais específica dos conteúdos e metodologia, algumas questões de caráter mais geral merecem ser discutidas com o objetivo de explicitar o papel essencial da educação e do ensino para o desenvolvimento das qualidades humanas.

6. Aprendizagem e desenvolvimento
A compreensão de ser humano e de como ele reproduz para si as qualidades humanas na relação que estabelece com as outras pessoas e no contato com a cultura acumulada, traz, também, uma nova compreensão da relação entre aprendizado e desenvolvimento. Com Piaget aprendemos a pensar que o desenvolvimento antecede a aprendizagem, é condição para que a aprendizagem aconteça. A formação de Piaget na área das ciências naturais –Piaget era biólogo- levou-o a conceber o desenvolvimento humano à semelhança dos demais seres vivos, que trazem ao nascer toda a informação –geneticamente dada– para se desenvolverem e se tornarem representantes adultos de sua espécie. Deste ponto de vista, tomamos o desenvolvimento das características humanas nos seres humanos como naturalmente dadas ao nascer e entendemos que o desenvolvimento é determinado biologicamente. Como já afirmamos, desse ponto de vista, as condições materiais de vida e educação exercem uma influência nesse desenvolvimento, mas não o impulsionam e, portanto, não são consideradas essenciais para que esse desenvolvimento ocorra. Em outras palavras, para essa concepção, as relações do indivíduo com a cultura são importantes, mas não essenciais uma vez que sem elas haveria um nível de desenvolvimento humano garantido pela carga biológica com que a criança nasce.
É justamente nesse ponto que se localiza a ruptura que precisa ser compreendida para que possamos dimensionar adequadamente a concepção adotada por Vygotsky e as implicações pedagógicas daí decorrentes. Para Vygotsky, o desenvolvimento da inteligência e da personalidade é externamente motivado, ou seja é resultado da aprendizagem. As características inatas do indivíduo são condição essencial para seu desenvolvimento mas não suficientes, uma vez que não têm força motora em relação a esse desenvolvimento. As relações do indivíduo com a cultura constituem condição essencial para esse desenvolvimento. Em outras palavras, na ausência da relação com a cultura, o desenvolvimento tipicamente humano não ocorrerá. Isso significa que a relação entre desenvolvimento e aprendizagem ganha uma nova perspectiva: não é o desenvolvimento que antecede e possibilita a aprendizagem, mas ao contrário, é a aprendizagem que antecede, possibilita e impulsiona o desenvolvimento. Sem o contato da criança com a cultura, com os adultos, com as crianças mais velhas e com as gerações mais velhas, a criação das capacidades e aptidões humanas não ocorrerá. Em outras palavras, o desenvolvimento fica impedido de ocorrer na falta de situações que permitam o aprendizado.
Se a aprendizagem é tão importante, uma vez que move o desenvolvimento das qualidades humanas em cada ser humano, precisamos ir à teoria histórico-cultural e perguntar: quando acontece a aprendizagem? em que condições ela acontece? qualquer ensino leva à aprendizagem?
Vygotsky ajuda a responder essa questão quando discute a relação entre as zonas de desenvolvimento real e próxima. Ao estudar as formas tradicionais de avaliação do desenvolvimento psíquico –ou seja, do desenvolvimento daquelas funções como a linguagem, o cálculo, o pensamento, a memória, o controle da conduta e outras que constituem  inteligência e a personalidade-, Vygotsky percebeu que se utilizava apenas aquilo que a criança era capaz de fazer de forma independente –ou seja, sem a ajuda de outros- para avaliar esse desenvolvimento. Vygotsky chamou esse nível de desenvolvimento de Zona de Desenvolvimento Real, uma vez que expressa o nível de desenvolvimento psíquico já alcançado pela criança. No entanto, percebeu a existência de um outro indicador que precisa ser necessariamente considerado ao lado do desenvolvimento real já alcançado pela criança. Esse outro indicador foi chamado Nível ou Zona de Desenvolvimento Próximo e se manifesta por aquilo que a criança ainda não é capaz de fazer sozinha, mas já é capaz de fazer em colaboração com um parceiro mais experiente. Para Vygotsky, ao fazer com ajuda de um parceiro mais experiente aquilo que ainda não é capaz de fazer sozinha, a criança se prepara para, em breve, realizar a atividade por si mesma. Dessa forma, só há aprendizagem quando o ensino incidir na zona de desenvolvimento próximo. Se ensinarmos para a criança aquilo que ela já sabe, não haverá nem aprendizagem e nem desenvolvimento. O mesmo acontecerá se ensinarmos algo que está muito além de sua possibilidade de aprendizagem, ou seja, para além daquilo que ela possa fazer com a ajuda de alguém. Por isso, para Vygotsky, o bom ensino é aquele que garante aprendizagem e impulsiona o desenvolvimento. Nesse sentido, o bom ensino acontece num processo colaborativo entre o educador e criança: o educador não deve fazer as atividades por e nem para a criança, mas com ela –atuando como parceiro mais experiente, não em lugar da criança. Quando a criança realiza -com a ajuda de um educador- tarefas que superam seu nível de desenvolvimento, ela se prepara para realizá-las sozinha, pois o aprendizado cria processos de desenvolvimento que, aos poucos, vão se tornando parte de suas possibilidades reais. Como lembra Vygotsky, o desenvolvimento da linguagem, do pensamento, da memória voluntária, do controle da conduta – que só o ser humano tem capacidade de desenvolver - acontece a partir do exterior: primeiro a criança experimenta a fala, a orientação de sua conduta, a atenção, a observação, a memória, a linguagem escrita, o cálculo matemático, o desenho, etc., em conjunto com os outros e só depois essas funções se tornam internas ao seu pensamento.
Desta forma, fica claro que o papel da escola é dirigir o trabalho educativo para estágios de desenvolvimento ainda não alcançados pela criança. Ou seja, o trabalho educativo deve impulsionar novos conhecimentos e novas conquistas, a partir do nível real de desenvolvimento da criança -de seu desenvolvimento consolidado, daquilo que a criança já sabe. Por isso é que Vygotsky conclui que o bom ensino não é aquele que incide sobre o que a criança já sabe ou já é capaz de fazer, mas é aquele que faz avançar o que a criança já sabe, ou seja, que a desafia para o que ela ainda não sabe ou só é capaz de fazer com a ajuda de outros.

7. O complexo universo do ensinar e do aprender
7.1. O papel essencial do educador
Essa discussão destaca a importância da interferência intencional do adulto –do planejamento competente do educador- e também a importância da atividade em grupos de crianças de diferentes idades e níveis de desenvolvimento, onde quem sabe ensina quem não sabe. O educador deve, portanto, intervir, provocando avanços que de forma espontânea não ocorreriam.
No entanto, a compreensão de que o educador tem um papel essencial no processo de desenvolvimento humano não nos deve levar a pensar que o ensino deva ser centrado exclusivamente na intenção do professor de ensinar e independente da criança. Ainda que o educador deva interferir, de forma intencional, através do processo de ensino, para fazer avançar o nível de desenvolvimento já alcançado pela criança, isto não significa absolutamente que se possa ensinar à criança tudo aquilo que acreditamos ser conveniente sem considerar as particularidades de seu processo de aprendizagem. Para garantir que o processo de ensino impulsione ao máximo o desenvolvimento da criança, precisamos considerar como se dá o processo de aprendizagem do ponto de vista da teoria histórico-cultural.

7.2. A importância essencial da atividade da criança
Já vimos que a intervenção do adulto deve considerar sempre a relação entre o desenvolvimento real já alcançado pela criança e o nível de seu desenvolvimento próximo; só assim a intervenção do educador provoca o aprendizado. Retomando considerações que fizemos anteriormente, a criança só tem condições de aprender a fazer sozinha num futuro próximo aquilo que ela consegue fazer hoje com a colaboração de alguém mais experiente. Assim sendo, o que não é possível que ela faça em colaboração com um parceiro mais experiente não adianta ser compartilhado pelo educador.
Com tudo isso, percebemos que o processo de aprendizagem é sempre colaborativo, ou seja, resulta da ação conjunta entre o educador (ou um parceiro mais experiente) e a criança. Além disso, o processo de aprendizagem é sempre ativo do ponto de vista do sujeito que aprende: para se apropriar de um objeto, vimos que é necessário que o aprendiz reproduza, com o objeto, o uso social para o qual ele foi criado. No caso da colher, é preciso que o sujeito a utilize para comer, da forma como socialmente a utilizamos.
Essa concepção de processo de aprendizagem traz, para a reflexão pedagógica, a compreensão de que a aprendizagem não resulta de um processo de criação, mas de um processo de reprodução/de imitação do uso que a sociedade faz dos objetos, das técnicas e mesmo das relações sociais, dos costumes, dos hábitos, da língua.
Em outras palavras, o processo de aprendizagem exige a atuação do adulto junto à criança, mas, a criança precisa realizar, ela própria, as atividades -e não o educador por ela ou para ela.

7.3. Atividades adequadas aos momentos certos
Um outro elemento ainda deve ser considerado quando tratamos de compreender o processo de aprendizagem: é o que a teoria histórico-cultural chama de períodos sensitivos. Quando observamos as crianças pequenas, percebemos que cada idade se distingue por uma sensibilidade seletiva frente a diferentes tipos de ensino ou de influência dos adultos. A existência desses períodos sensitivos se explica pelo fato de que o ensino influencia principalmente aquelas qualidades que estão em processo de formação. 
Só para ilustrar, nos primeiros meses de vida, a atividade principal da criança –aquela através da qual ela entra em contato com o mundo que a rodeia, aprende e se desenvolve- é a comunicação com os adultos que cuidam dela. Essa comunicação ainda não é verbal, mas emocional. A iniciativa antecipadora dos adultos de falar com ela antes que ela seja capaz de responder ou entender e de aproximar objetos para ela ver e pegar, cria nela novas necessidades: a necessidade de comunicação e de manipulação dos objetos. Nessa atividade com objetos, a criança acumula experiências que formam as premissas para o desenvolvimento do pensamento. Inicialmente esse desenvolvimento do pensamento acontece através das imagens daquilo que a criança está fazendo no momento. Mais tarde, ela pensa com as imagens que vão ficando em sua memória e, só mais tarde, o pensamento se torna verbal. Na atividade com objetos, também acontece o desenvolvimento da memória, da atenção e da própria linguagem oral –ao categorizar os objetos que vai conhecendo (os pesados, os leves, os sonoros, os redondos), a criança vai criando as condições para o desenvolvimento da fala.
Próximo aos três anos, o interesse da criança recai sobre a utilização dos objetos tal como ela vê os adultos utilizarem e passa a imitar os adultos em suas relações sociais e com o mundo da cultura.
Até próximo aos seis anos de idade, o faz-de-conta será a atividade principal da criança. Será através dessa atividade -que alguns autores chamam jogo, outros chamam brincar- que a criança mais vai desenvolver a linguagem, o pensamento, a atenção, a memória, os sentimentos morais, os traços de caráter; vai aprender a conviver em grupo, a controlar a própria conduta...
A partir da entrada na escola fundamental, o estudo passa a ser a atividade principal, isto é, a atividade através da qual a criança mais amplia seu conhecimento sobre o mundo, mais é levada a pensar e reorganizar o que pensa, mais amplia e melhor compreende as relações sociais.

Considerando as situações em que observamos as crianças atuando, aprendendo e se desenvolvendo, constatamos que as situações que garantem mais aprendizado são aquelas que envolvem intensamente as crianças naquilo que estão fazendo: não atuam mecanicamente, mas atuam com o corpo e o intelecto, concentradas no fazer que realizam. Quando isso acontece, dizemos que o fazer da criança se realiza como uma atividade e não como um fazer mecânico. Para a teoria histórico-cultural, a realização de uma tarefa leva à aprendizagem quando esta se configura como uma atividade. O que caracteriza uma atividade? Em que condições a criança mergulha de corpo e mente numa tarefa?

7.4. O que se entende por atividade
Leontiev –um pesquisador que trabalhou com Vygotsky e ajudou a desenvolver suas idéias- chama atividade não a qualquer coisa que a pessoa faça, mas apenas aquilo que faz sentido para ela. E quando uma tarefa adquire sentido para a pessoa que a realiza? Vejamos. Toda tarefa que a pessoa faz tem sempre um objetivo e um motivo. O objetivo é aquilo que deve ser alcançado no final da tarefa –seu resultado-, mas que a pessoa já prevê como uma idéia, antes de começar a agir. O motivo é a necessidade que leva a pessoa a agir. O sentido é dado pela relação entre o motivo e o objetivo –ou resultado- previsto para a tarefa. Se houver uma coincidência entre motivo e objetivo, ou seja, se a pessoa atua porque está interessada, necessitada ou motivada pelo resultado que alcançará no final da tarefa, então a atividade tem um sentido para ela. Em outras palavras, se o resultado da tarefa responde a uma necessidade, motivo ou interesse da pessoa que a realiza, percebemos que a pessoa está inteiramente envolvida em seu fazer: sabendo por que realiza a tarefa e querendo chegar ao seu resultado. Nesse caso, dizemos que ela realiza uma atividade e, ao realizar essa atividade, está se apropriando das aptidões, habilidades e capacidades envolvidas nessa tarefa.
Com isso, percebemos que atividade não é sinônimo de execução de uma tarefa pela criança. Ao contrário, a atividade envolve o conhecimento–em nível de idéia- por parte da criança do resultado a ser alcançado ao final da atividade e mais ainda, esse resultado deve responder a um motivo – desejo, necessidade ou interesse - da criança. Quando refletimos sobre isso, percebemos que devemos envolver necessariamente a criança no processo de planejamento, seja de forma direta –quando ela participa das decisões do que fazer e como fazer- seja de forma indireta –quando apontamos para ela o resultado da tarefa que foi proposta com o objetivo de responder a uma necessidade, motivo ou interesse seu.
Deste ponto de vista, promovemos aprendizagem e, conseqüentemente, desenvolvimento à medida que respondemos ao desejo ou necessidade de conhecimento das crianças. Em outras palavras, a atividade que faz sentido para a criança é a chave através da qual a criança entra em contato com o mundo, aprende a usar a cultura e se apropria das aptidões, capacidades, habilidades humanas. Em poucas palavras, só através da atividade (significativa) a criança aprende e se desenvolve.
Essa compreensão do processo aprendizagem, ao revelar a importância essencial da atividade significativa para o processo de aprendizagem, nos leva a suspeita dos processos artificiais de ensino presentes em muitas escolas. A compreensão reducionista do processo de apropriação da leitura como decodificação dos sons desenhados na palavra escrita, assim como a compreensão de que a apropriação da escrita resulta do exercício motor, acolhe procedimentos mecânicos que, nas palavras de Vygotsky, “ensinam as crianças a traçar as letras e a formar palavras com elas, mas não ensinam a linguagem escrita”. As atividades artificiais criadas apenas para ensinar a criança a ler e escrever –e que não utilizam a leitura e a escrita para o fim verdadeiro para o qual foram criadas- não criam necessidades de leitura e escrita na criança, nem buscam sua iniciativa. Desse modo, não fazem sentido para a criança que aprende. Ler apenas para aprender a ler e escrever apenas para aprender a escrever tornam-se tarefas que podem fazer sentido para o adulto que ensina, mas não para a criança que está sendo introduzida no mundo da escrita.
Da compreensão de que a atividade deve ser um processo necessariamente ativo por parte da criança e deve ser significativo para garantir a apropriação do conhecimento, nascem duas questões que merecem reflexão.
A primeira diz respeito ao fato de que se o bom ensino é aquele que incide sobre o que a criança ainda não sabe, como garantir que a criança realize, ela própria, a atividade? O fazer compartilhado entre o educador e a criança é a garantia de que a criança mantenha uma atitude ativa em relação ao conhecimento e que, ao mesmo tempo, conheça o novo. Isto não significa que o educador se iguale à criança no processo de ensino, mas que, ao coordenar e dirigir o processo de ensino para o desenvolvimento das qualidades humanas, compartilhe com a criança os passos dos procedimentos didáticos, os objetivos das tarefas propostas, a divisão das tarefas possíveis e provoque a iniciativa e a atividade da criança no processo de execução da tarefa, assim como sua participação na avaliação da atividade desenvolvida. A participação da criança, em nenhum momento desqualifica o trabalho intencional do educador, ao contrário, o qualifica ainda mais, uma vez que este trabalho compartilhado possibilita a atuação do aprendiz em níveis cada vez mais elevados e a internalização de aptidões, habilidades e capacidades humanas cada vez mais elaboradas. O que não se pode perder de vista é a atividade principal específica que caracteriza as diferentes etapas do desenvolvimento humano, pois é através dela que o indivíduo entra em contato com novos conhecimentos e internaliza aptidões e capacidades.
A segunda questão levantada pelo conceito de atividade diz respeito ao fato de que a atividade deve responder aos desejos, interesses e motivos da criança. Em relação a isso, vale perguntar: se a criança precisa experimentar as atividades mais diversificadas para se apropriar de aptidões, capacidades e habilidades também diversificadas, como podemos diversificar a experiência da criança quando suas necessidades, interesses e motivos são restritos? Em outras palavras, o que fazer quando as crianças não mostram interesse, motivo ou necessidade de leitura? Devemos simplesmente ignorar a leitura? Para refletir sobre essa questão, devemos lembrar que os motivos e interesses humanos são históricos e sociais, ou seja, são criados nas crianças pela sociedade em que vivem e por tudo o que acontece ao seu redor. Se são criados, não devem ser vistos como algo natural da criança e, conseqüentemente, como algo inquestionável. Os motivos, necessidades e interesses são aprendidos a partir das condições concretas de vida e educação: por exemplo, os programas de tv que assistimos criam, em nós, interesses e motivos. Olhando a questão dos motivos deste ponto de vista, duas idéias nos assaltam. Primeira idéia: se os motivos, os interesses e as necessidades  são aprendidos, então velhos motivos podem ser modificados e novos podem ser ensinados ou criados. Ou seja, na escola, podemos criar novos motivos que contribuam para o desenvolvimento de aptidões e capacidades humanizadoras que tornem a criança um ser humano mais completo. Segunda idéia: se os motivos que as crianças ou alunos trazem para a escola são aprendidos nas diferentes situações que vivem, então o papel da instituição escolar não é o de responder as necessidades – motivos ou interesses – que as sujeitos trazem para a escola. Tais necessidades, ensinadas às crianças pela vida cotidiana estão ligadas à sobrevivência do indivíduo, mas não criam nelas necessidades humanizadoras -como, por exemplo, a necessidade de conhecimento, a necessidade de expressão pela arte, a necessidade da reflexão filosófica e a necessidade de um posicionamento ético- que contribuem para alcançar o máximo de desenvolvimento humano. O papel da educação escolar é, então, criar novas necessidades humanizadoras nas crianças.

7.5. A criação de motivos e desejos nas crianças
Como provocar nas crianças o surgimento de novos motivos, necessidades e interesses de tal forma que elas possa ampliar suas necessidades de conhecimento para esferas de atividade não experimentadas? Ou, em outras palavras, como criar novos motivos e interesses ligados às atividades humanas que a vida cotidiana não estimula nas crianças –o estudo, o desejo de conhecimento, a solidariedade, a arte?
 Para responder essa pergunta, é preciso distinguir os motivos eficazes -aqueles que levam o sujeito a agir- daqueles motivos que são compreendidos pelo sujeito, mas são ineficazes para impulsionar sua ação. Quando uma criança lê um livro “para ir brincar”, por exemplo, “ir brincar” é o motivo eficaz que move sua ação. Ela pode até entender que “ler o livro é importante para conhecer o assunto de que trata o livro”, mas não é esse o motivo que a faz ler. Se lembrarmos o que estudamos sobre a atividade (a atividade se constitui quando o motivo que leva o sujeito a agir coincide com o resultado da tarefa que realiza), então percebemos que, nesse caso, a criança não faz a leitura como uma atividade, pois o motivo (ir brincar) não tem relação direta com o resultado da ação que ela realiza (conhecer o assunto do livro). Nessa situação, a leitura não tem sentido para a criança: ela só lê para poder ir brincar em seguida. E ela lê pensando em ir brincar e não concentrada na leitura. 
No entanto, nesse processo de ler para poder ir brincar, a criança pode se interessar pelo assunto do livro. Quando isso acontece, “conhecer o assunto do livro” –que é o resultado da leitura- se torna também o motivo da leitura. Nesse caso, a leitura se tornou uma atividade –que tem sentido- para a criança, pois o motivo e o resultado daquilo que ela realiza coincidem. A criança passa a ler profundamente interessada na leitura.
 Em que condições o resultado da atividade passa a ser também seu motivo?  Quando ao realizar uma tarefa, seu resultado se tornar mais significativo para a criança do que o motivo que inicialmente impulsionou seu agir, a atividade se torna significativa para a criança. Voltando ao exemplo da leitura, essa passagem se dá quando o assunto do livro é tão atrativo que a criança percebe que conhecer o assunto do livro é tão gostoso quanto ir brincar -e passa a ler para conhecer o assunto. Nesse caso, dizemos que a criança passou a compreender a leitura num nível mais elevado em sua consciência. Essa passagem transformou a leitura em uma atividade significativa. Ao ler motivada por conhecer o assunto do livro, a criança concentra-se inteiramente na leitura e aprende; cria uma nova necessidade e se desenvolve.
Trazendo essa discussão para a escola, percebemos que as condições concretas para a criação de novos motivos são, em primeiro lugar, que a criança tenha oportunidades de experiências diversificadas para que possa vir a fazer delas atividades carregadas de sentido, ou seja, é preciso propor experiências que possam vir a se tornar atividades significativas. No entanto, -e essa é a segunda condição para que a ação se torne uma atividade significativa- essas experiências precisam ser propostas de forma tal que a criança envolva-se inteiramente em sua realização, que o objetivo da atividade se torne o motivo que move o fazer da criança. Crianças que não gostam de parar para ouvir histórias certamente passarão a fazê-lo se as histórias contadas em sala –por sua temática e apresentação- atraírem sua atenção e criarem nelas um novo desejo, uma nova necessidade, um novo prazer.
Escolher bem aquilo que será proposto às crianças é essencial. Para isso, muito ajudará o trabalho do educador se ele conhecer a prática social –a vida- onde as crianças se inserem, os temas que atraem inicialmente sua atenção, os interesses e necessidades já criados nas crianças. Por isso, na escola, além oportunidades diversificadas de contato com a cultura acumulada histórica e socialmente, as crianças precisam dar a conhecer sua identidade –o que acontece quando a escola está aberta à vida que acontece antes, durante e depois do horário escolar.
Ao mesmo tempo, é preciso que o educador descubra as formas mais adequadas de trabalho com o grupo. Isso se faz possível quando o educador conhece os níveis de desenvolvimento real e próximo das crianças, quando conhece as regularidades do desenvolvimento das crianças –ou seja, conhece quais as funções psíquicas que se encontram em desenvolvimento em determinada etapa e que constituem os períodos mais adequados às influências da educação- e, ainda, quando percebe que atividade é principal para a criança em determinada etapa de seu desenvolvimento e oportuniza a experiência da criança sob tal forma de atividade. Conforme aponta a teoria, quando respeitamos a atividade principal da criança, na presença de condições adequadas de vida e de educação, as crianças até os seis anos desenvolvem intensamente diferentes atividades práticas, intelectuais e artísticas e iniciam a formação de idéias, sentimentos e hábitos morais e traços de personalidade. Isso, no entanto, não nos deve levar a cometer o equívoco de acreditar que o abreviamento da infância vai garantir um maior progresso tecnológico... o ensino da criança de 0 a 6 anos não se desenvolve sob forma de lição escolar, mas sob a forma do jogo, de observação direta, de diferentes tipos de atividade plástica.

8. Sintetizando...
Para Vygotsky e seus colaboradores, as condições ótimas para a realização das máximas possibilidades da criança, seu desenvolvimento harmônico não se criam pelo ensino forçado, antecipado, dirigido a diminuir a infância, a converter antes do tempo a criança em escolar. é indispensável, ao contrário, o desenvolvimento máximo das formas especificamente infantis de atividade lúdica, prática e plástica e também da comunicação das crianças entre si e entre os adultos. É sobre esta base que se deve realizar a formação orientada ao desenvolvimento daquilo que constitui o bem mais valioso da pessoa: a inteligência e a personalidade.

Leontiev aponta ainda que o lugar ocupado pela criança nas relações sociais de que participa se torna uma força motivadora de seu desenvolvimento. Esse lugar é justamente determinado pelas relações que os adultos estabelecem com a criança. Apesar dos perceptíveis avanços que podemos contar em nossa sociedade (pois já começamos a pensar a criança como cidadã), a relação adulto-criança, ainda é marcada pelo preconceito que concebe a criança como um ser incapaz, alguém que não sabe e não é capaz de aprender. Por isso, em geral, não a ensinamos a usar a máquina fotográfica –mas a escondemos- quando ela tem interesse, tiramos a caneta de suas mãos e a colocamos em lugar inacessível, para ela não a estragar, e assim por diante. Em geral, sempre subestimamos sua capacidade de aprender –ou quem sabe a nossa capacidade de ensinar?- alegando que a criança é pequena. De uma forma ou de outra, sem estabelecer uma relação consciente com o processo de educação dos pequenos, reservamos para eles um lugar menos importante nas relações sociais de que eles participam –na família, na creche, na pré-escola. E tal atitude obstaculiza o desenvolvimento infantil.

* Neste ponto de nossos estudos, você deve fazer algumas leituras complementares:
è 1. LEONTIEV, A – O Homem e a Cultura, in O Desenvolvimento do Psiquismo. Lisboa: Livros Novos Horizontes, 1978.
è 2. __________  - Uma Contribuição para uma Teoria do Desenvolvimento da Psique Infantil, in Linguagem, Desenvolvimento e Aprendizagem. São Paulo: Icone/Edusp, 1988.

è 3. MELLO, S. A. - Concepção de criança e democracia na escola da infância: a experiência de Reggio-Emília, in Caderno da FFC. Marília, v.9, n.2, 2000.

Nos dois primeiros textos você vai rever a discussão dos temas essenciais discutidos acima: conceito de homem, conceito de educação, conceito de desenvolvimento, relação entre aprendizagem e desenvolvimento, papel da atividade no processo de aprender, a importância dos motivos nesse processo de aprender, o papel do educador no desenvolvimento infantil, a importância da seleção adequada da atividade para promover o desenvolvimento da criança...
O terceiro texto pretende provocar em você uma reflexão acerca do conceito de criança que temos, de um modo geral, e sobre um novo conceito de criança que começamos a construir a partir da observação das crianças e do estudo de seu desenvolvimento. Esse novo jeito de enxergar e compreender a criança deve mudar radicalmente nossa relação com elas, como veremos a frente ao discutir o papel do educador no desenvolvimento infantil.

Com essas leituras, apresentamos, em linhas gerais, as bases da teoria histórico-cultural. Agora vamos nos deter no desenvolvimento das crianças entre o nascimento e os três anos de idade.

As crianças pequenininhas


As pesquisas têm mostrado que as crianças aprendem por sua própria atividade ao imitar os adultos e outras crianças, procurando fazer sozinhas aquilo que vão testemunhando, aquilo que aprendem a fazer com os outros. Já vimos que é através da atividade que a criança entra em contato com o mundo, que aprende a usar os objetos que os seres humanos foram criando ao longo de sua história (as coisas, os instrumentos, a linguagem, os costumes, as técnicas) e é isso que garante a apropriação pela criança das aptidões, capacidades, habilidades que também foram criadas ao longo da história.
O aprendizado desperta processos de desenvolvimento que, aos poucos, vão se tornando parte das possibilidades reais da crian­ça. Como lembra Vygotsky, o desenvolvimento da linguagem, do pensamento, da memória, da atenção, etc. (que só o ser humano têm capacidade para desenvolver) se dá a partir do exterior: primeiro a criança precisa experimentar a fala, o pensamento, o raciocínio, a memória etc. em conjunto com os outros e só depois, com a convivência social que utiliza essas funções, elas se tornam  internas ao pensamento da criança.

É a vida que a criança vai vivendo –aquilo que faz, as relações que os adultos ou os parceiros mais experientes estabelecem com ela, o acesso que tem ao conhecimento, aos objetos da cultura- que vai possibilitando que ela possa se apropriar do pensamento, da linguagem, desenvolver a memória, a atenção, a sensibilidade, a imaginação...Desta discussão, podemos perceber a importância da interferência do adulto, bem como do trabalho em grupos de crianças de idades diferentes, onde quem sabe ensina quem não sabe. 
O educa­dor deve, portanto, intervir, pro­vocando avanços que de forma espontânea não ocorreriam. É importante, no entanto, destacar que não se trata de um en­sino autoritário, passivo para a criança, centrado no adulto: a atividade da criança é elemento central em seu processo de aprendizagem e este processo se inicia como "imitação". Esta imitação pela criança da atividade desenvolvida pelo adulto não deve ser entendida como um processo mecânico, mas como uma oportunidade da criança de realizar ações que estão muito além de suas capacidades, o que con­tribui para seu desenvolvimento. A intervenção do adulto só possibilita o aprendizado quando leva em con­ta o desenvolvimento real já alcançado pela criança. Para exemplificar, o que não é possível que uma criança de 6 me­ses faça, não adianta ser demonstrado pelo educador.

Se a educação tem um papel essencial no processo de cada um de nós se tornar um ser humano, é preciso refletir sobre algumas questões do dia-a-dia das crianças pequenininhas na creche.
Como a creche deve ser para garantir que as crianças vivam experiências ricas e diversificadas que estimulem sua aprendizagem e desenvolvimento?
É na creche que muitas crianças passam a viver a maior parte de sua vida acordada, a partir dos três meses de idade. Para essas crianças (freqüentadoras da creche e da pré-escola), é o educador quem garante que elas vivam experiências diversificadas e aprendam a usar os objetos, os instrumentos, aprendam a linguagem, os costumes, aprendam a gostar de histórias, a gostar de desenhar, de cantar... enfim, aprendam a desfrutar da cultura e do conhecimento. Se entendemos que o desenvolvimento da cri­ança, desde os primeiros dias de sua vida, acontece a partir da vida que ela vive com os outros, então precisamos propor um projeto de educação que apresente para a criança a cultura acu­mulada para que ela possa se apropriar das aptidões, habilidades e capacidades acumuladas com a cultura humana.

É preciso, no entanto, considerar que as atividades que serão propostas às crianças, por um lado, correspondam às possibilidades das crianças -ao seu desenvolvimento real já alcançado- e, por outro lado, garantam seu desenvolvimento progressivo, como sugere Vygotsky em seus estudos sobre o desenvolvimento infantil. Estes estudos -não parece demais destacar- enfatizam o papel dos adultos no trabalho educativo com as crianças e não para as crianças e nem pelas crianças.

Numerosos estudos demonstram que o processo de aprendizagem se baseia na atividade de imitação que a criança desenvolve em relação ao adulto. O educador, portanto, não ensina quando ele fala das coisas para a criança. O processo de aprendizagem exige a ação da criança sobre as coisas que queremos que ela aprenda, sua vivência de situações e exercício de atitudes que queremos que ela aprenda.

A função do adulto é, portanto, ser o organizador de experiências para garantir que estas responda às necessidades de aprendizagem e desenvolvimento das crianças. Não é papel do educador vigiar, cuidar, controlar, fazer pela criança, mas propor atividades atraentes, colocar a criança em condições de agir. Nesse momento, o educador é observador da atividade infantil, leitor das diferentes linguagens que a criança usa para comunicar suas necessidades e companheiro das brincadeiras e das atividades através das quais estabelece uma relação de carinho e cumplicidade com a criança.

Os primeiros três anos de vida constituem o período de mais rápido desenvolvimento físico e psíquico das crianças. Para que este desenvolvimento se dê de forma adequada, é necessário organizar corretamente e educação desde os primei­ros meses de vida. Para tanto, além da dedicação do educador, o conhecimento sobre o processo de desenvolvi­mento da criança é fundamental: conhecer como se dá o desen­volvimento dos movimentos, da linguagem e da atividade com objetos são elementos importantes para a seleção dos procedimentos e das atividades para cada idade.

Nos primeiros três anos de sua vida, a criança desenvolve a atividade de todos os órgãos dos sentidos, e começa pelas percepções visuais e auditivas. O bebê nasce com suas possibilidades de percepção definidas pelas características do sistema sensorial humano, mas se sua atividade não exercitar a atenção, a memória, a linguagem, elas não se desenvolverão.

A atenção vai gradualmente sendo apren­dida: no início ela é involuntária, ou seja, qualquer barulho ou movimento muda a atenção da criança. Aos poucos, a atenção passa a ser controlada pela criança, ou seja, a própria criança passa a controlar sua atenção voluntaria­mente no ambiente. O início desse controle acontece através do adulto: a criança presta atenção quando outra pessoa fala com ela. Depois, com o desenvolvimento da linguagem, a própria criança passa a controlar sua atenção, pois ela é capaz de se lembrar do que estava fazendo quando um barulho a interrompe, pára a atenção num objeto porque pensa sobre ele. Também a memória será aprendida pela criança na medida em que a criança precisar dela e começar a utilizá-la em sua atividade.

Em poucas palavras, para se desenvolver, a criança precisa experimentar, ver, ouvir, se movimentar, pegar. Para se desenvolver, o cérebro precisa de ginástica. Se a criança não for estimulada a observar coisas diferentes, a brincar com objetos diferentes, a ouvir sons diferentes, a pegar objetos que têm formas, cores, tamanhos, texturas diferentes... Se ninguém falar com a criança, ela não desenvolverá seu raciocínio, sua linguagem, suas capacidades de ouvir, prestar atenção, lembrar e até de gostar das coisas.

* Neste ponto, é interessante que você leia um artigo publicado há algum tempo (20 de março de 1996) na èRevista Veja e que discute a construção do cérebro. Neste artigo, você conhecerá o que dizem as pesquisas recentes em uma área da ciência relativamente nova chamada neurociências. O artigo trata do papel da educação para o desenvolvimento da inteligência e da personalidade. Vale a pena conhecer. Depois da visão geral do artigo, volte aqui para um olhar mais detalhado...

1. O primeiro ano de vida da criança
O nascimento da criança traz uma grande mudança em seu organismo: ela passa de um estado de existência vegetativa em um meio onde as condições são relativamente constantes -dentro do ventre da mãe- para o meio exterior onde as variações são freqüentes e as necessidades aparecem (a fome, o frio, o desconforto da fralda molhada, a necessidade de banho) e para resolver tudo isso, a criança precisará do adulto. A criança nasce dependente e sem conhecimento. Ao crescer, ela precisa passar desse estado de impotência ao estado de pessoa que pensa e resolve problemas por si mesma. Esse processo de se tornar uma personalidade racional é contínuo e começa já nos primeiros dias de vida, como demonstram as pesquisas.
 A característica principal do recém-nascido é sua capacidade ilimitada de adquirir novas experiências e formas de conduta próprias do homem. À medida que suas necessidades de sobrevivência estão asseguradas (alimentação, higiene e sono), surgem na criança as novas necessidades que produzem o desenvolvimento de sua inteligência e de sua personalidade: a necessidade de movimentar-se, de se relacionar com os outros, a necessidade de ouvir, ver, tocar.

Durante as primeiras semanas de vida da criança, sua visão e audição se desenvolvem rapidamente. A criança logo começa a seguir com os olhos um objeto em movimento, a fixar os olhos num objeto parado, começa a reagir frente aos sons e, especialmente, frente à voz dos adultos. São seus primeiros contatos com o mundo.  Como resultado desses estímulos, a criança começa a mexer a cabeça, as mãos e os pés, pára de chorar para prestar atenção, ou seja, a criança se concentra. Com isso, exercita seu cérebro e este começa a se formar. 

A fonte das impressões visuais e auditivas necessárias para o desenvolvimento normal do sistema nervoso e dos órgãos dos sentidos da criança é o adulto: é o adulto que aproxima coisas para a criança ver e pegar, se inclina para falar com a criança, expõe a criança à luz do dia, aos sons...  enfim, é o adulto que apresenta o mundo para a criança. Nessa relação com o adulto, a criança começa a desenvolver suas emoções, começa a aperfeiçoar seus movimentos e a desenvolver seu desejo de comunicação através da linguagem.

A primeira forma de relação da criança com o mundo que a rodeia se dá através da comunicação emocional que estabelece com o adulto que cuida dela. A criança recém-nascida é absolutamente dependente do adulto e de seus cuidados para sobreviver. A comunicação que se estabelece entre ela e adulto que se aproxima dela para cuidá-la deve ser entendida como interação entre dois sujeitos com o objetivo de estabelecer relações: esta necessidade de comunicação não é nem inata nem surge por si mesmo na criança. Vamos entender como ela surge para que possamos criá-la nas crianças.

1.1. A gênese da comunicação
Devido às necessidades de sobrevivência da criança, o adulto se aproxima dela –para dar banho, trocar, alimentar- e começa a falar com ela. Essa iniciativa antecipadora do adulto –de falar com a criança antes mesmo que ela entenda o que se diz- cria na criança um novo desejo, uma necessidade nova: a necessidade de comunicação.
O desenvolvimento da comunicação será condição essencial para o desenvolvimento cultural e psíquico da criança, pois toda a apropriação mais elaborada que ela fará dos costumes, do uso dos objetos, das técnicas e do conhecimento, acontecerá através da linguagem oral e do pensamento –que também se realiza através da linguagem.
Como toda atividade, a comunicação também tem uma estrutura psicológica definida por necessidades e motivos.
Uma particularidade da atividade de comunicação é que esta sempre se dirige à individualidade de outra pessoa e como resultado, em cada um dos participantes da comunicação se forma uma imagem do outro e de si mesmo. É uma atividade dirigida para o auto-conhecimento, o conhecimento das pessoas ao redor e a valoração de si e dos outros. Em uma pesquisa realizada com crianças entre 10 dias e 7 anos, Lisina (1978) examinou a necessidade da comunicação nas crianças e percebeu os seguintes indicadores da comunicação da criança: a atenção e o interesse que ela mantém em relação aos adultos, a relação emocional que estabelece com a ação dos adultos, a iniciativa que ela toma em relação ao adulto e a sensibilidade em relação às atitudes que o adulto tem para com ela. Com isso, percebemos que a atividade de comunicação da criança forma uma imagem afetiva e de conhecimento da outra pessoa e de si mesma.

Nos três primeiros anos de vida, percebem-se dois grupos principais de motivos para as formas de comunicação da criança:
·                    No primeiro grupo estão os motivos pessoais: a criança se interessa pelo adulto como alguém que dá lhe atenção e carinho ao mesmo tempo em que vai se tornando porta-voz de exigências sociais.
·                    No segundo grupo estão os motivos relacionados às primeiras atividades da criança com os objetos. Porque a criança se interessa pelo adulto, ela translada sua atenção para os objetos que o adulto aproxima dela, põe em suas mãos ou utiliza. Nessa fase –basicamente, a partir do final do 1o. ano e até perto dos três anos-, a criança percebe o adulto como colaborador: sente necessidade do adulto pois ele sabe utilizar os objetos que ela encontra ao seu redor. A criança vê o adulto como participante da atividade prática que ela passa a realizar. Assim, da comunicação pura (olhares, sorrisos e carícias) que absorve completamente o bebê, a criança entre um e três anos passa à colaboração, na qual os elementos da comunicação estão entrelaçados com a interação com os objetos.

Conforma Lisina, cada nova forma de comunicação se organiza sobre a anterior mas não a suprime: quanto maior a criança mais ela utiliza com flexibilidade todos os meios de comunicação, mais ricos e diversos são seus contatos com as pessoas, mais facilmente muda a forma de comunicação em correspondência com as condições da atividade. Percebemos então que, à medida que a criança vai crescendo, sob influência da atenção e da atividade do adulto, a criança passa da comunicação emocional pura à colaboração.
A atividade antecipadora do adulto também é fundamental na atividade com objetos, pois quanto mais diversificado for o material apresentado à criança mais ricos serão a atividade e o interesse da criança. As palavras de afirmação do adulto -o elogio- têm um papel importante nessa fase de atividades com objetos, pois, criam na criança novos motivos sociais: uma vez elogiada, a criança quer viver outras vezes essa sensação e começa a considerar as expectativas do adulto, procurando agradá-lo.
O conhecimento pela criança do mundo que a rodeia e o desenvolvimento de sua inteligência e personalidade dependem da comunicação: é a partir da comunicação que a criança desenvolverá a memória, a atenção, a conduta...
Concluindo, é importante chamar a atenção para o fato de que o desenvolvimento da comunicação não acontece por acumulação quantitativa: ou seja, não é porque a criança ouve o adulto falando que ela aprende a falar: é preciso que ela seja sujeito do diálogo, que o adulto fale com ela para criar nela a necessidade da comunicação.

Por isso, falar com as crianças pequenininhas, estabelecer com elas uma relação através do olhar, das palavras, do afago é condição para seu desenvolvimento, desde as primeiras semanas de vida. Entre três e seis meses, a criança aprende a reconhecer as pessoas que a cercam (sorri para as conheci­das e poderá "estranhar" as desconhecidas). Aos poucos devemos acostumá-la às outras pes­soas que freqüentam ou visitam a creche. É impor­tante que o contato seja sempre carinhoso, que o adulto fale com a criança com voz tranqüila, que se dirija a ela e não que fale dela.
A hora do banho, da alimentação, da troca são momentos importantes que devem ser aproveitados para a comunicação com a criança e o desenvolvimento de sua linguagem -conversar com ela é a maneira de sermos carinhosos.

1.2. A atividade com objetos e o desenvolvimento infantil
Nos primeiros meses de vida, a criança deve ser estimulada a virar-se no berço, movimentar o ros­to procurando algo com os olhos, fortalecer o pescoço, o peito e os braços. Obje­tos pendurados no berço ou logo acima dele estimulam movimentos de olhos, mãos, braços e pés...  Esses objetos devem ser sempre coloridos, sono­ros, móveis, chamativos.
Na creche, a partir dos três ou quatro meses, se não está dormindo ou repousando, a criança deve ser colocada num espaço onde possa conviver com outros bebês: um colchão no chão, ou mesmo um cobertor forrado com um lençol criam esse espaço de convivência. Ao redor das crianças espalhamos brinque­dos ou objetos que chamem sua atenção. Variar os brinquedos e objetos apresentados estimula sua atenção e curiosidade.
Se a criança for estimulada de forma adequada, próximo dos seis meses ela começa a engatinhar e se sen­tar por iniciativa própria. Não é necessário forçá-la. Pesquisas mostram que se a criança tem autonomia de movimento num espaço atraente, ela se desenvolve feliz e segura. Não é preciso colocá-la em posição que ela não possa adotar ou abandonar sozinha, não é necessário estimulá-la a fazer movimentos mais complexos que aqueles que ela é capaz de fazer por si mesma, por própria iniciativa e sem ajuda.
 A exploração do mundo, nesse momento explode. É hora de espalhar objetos coloridos de várias formas e tamanhos ao seu redor e deixá-la explorar.

* O texto è “A Cesta de Tesouros” vai orientar você sobre como aproveitar objetos simples e facilmente encontrados em nossas casas –e que, em geral, não são valorizados- para prover uma experiência diversificada de tateio para os pequenininhos que começam a se sentar. Como o texto é uma tradução para uso em sala de aula, encontra-se anexo.

1.3. O dia da criança na creche
Aos poucos vamos mudando nossa concepção de que a criança só se desenvolve quando é tutelada, dirigida e vigiada o tempo inteiro pelo educador. Garantimos uma experiência rica e diversificada para as nossas crianças quando organizamos para elas um espaço rico de materiais e possibilidades e permitimos que elas o explorem. Podemos enriquecer a experiência das crianças desenvolvendo brincadeiras e atividades com um grupo pequeno de crianças: esconder-se atrás de um pano e apa­recer fazendo um som, apresentar objetos para as crianças explorando novos usos: empilhar latinhas, abrir caixas, bater um objeto em diferentes materiais para perceber sons diferentes...enfim, tatear os objetos existentes no espaço da sala. Estas atividades podem ser realizadas repetidas vezes. Nessa etapa da vida, a criança gosta de objetos para segurar, bater, morder (por isso os brinquedos devem ser laváveis e sempre lavados).  A fala pausada com as crianças deve sempre acompanhar as atividades (o que não significa que a educadora deva fa­lar o tempo todo).

Dada a importância da comunicação emocional na formação da criança e da comunicação oral na formação da própria imagem que a criança vai fazendo de si, é importante dizer que a educadora nunca deve estar cuidando da criança (trocando, dando banho, alimentando) enquanto conversa com outras pessoas - seja fa­lando sobre qualquer assunto, seja falando sobre as crianças, o que é, aliás, muito pior.
Na organização dos horários das crianças na creche, a vida ao ar livre é essencial. O banho de sol pela manhã é condição para a saúde das crianças. Por isso, a organi­zação do tempo das crianças até os três anos deve contemplar: o sono, o banho de sol, a alimentação, o banho, e o tempo livre para explorar o espaço externo e interno da creche que deve estar organizado de forma a que a criança se sinta atraída pelos materiais e se interesse pelas experiências possíveis de serem vivenciadas com os materiais.

Hoje sabemos que não há uma hierarquia nas atividades realizadas na creche: tudo é importante e todos são momentos de educação e desenvolvimento para as crianças. Em toda atividade, do banho à arrumação da sala, deve-se procurar envolver sempre a criança: conver­sando com ela sobre o que se está fazendo ou sobre o que se vai fazer, chamando-a para fazer junto. Pesquisas têm demonstrado que assim as crianças aproveitam mais as atividades, dormem mais profundamente e se alimentam melhor - e evidentemente, são mais calmas porque são mais seguras.

O sono é muito importante nessa etapa da vida. Para a saúde da criança é fundamental que a criança tenha uma vida ativa enquanto estiver acordada e durma profundamente suas horas de sono. Devemos lembrar que tais rotinas são aprendidas. E vale lembrar também que próximo ao momento do sono é comum uma super excitação da criança. É preciso respeitar esse momento: escurecer a sala, falar baixo e com carinho, perceber os sinais de sono na criança, respeitar os rituais que muitas crianças têm para dormir (paninho, chupeta, cheirinho) ...  permitir horários de sono distintos para a tur­ma. Isso pode até ser uma saída para que o educador tenha horários de trabalho mais tranqüilos com grupos menores de crianças.

Se aprendermos a observar as crianças desde os primeiros dias na creche, vamos aprender que desde os primeiros meses de vida se manifesta claramente a lei geral do desenvolvimento infantil: as atitudes, as capacidades e as qualidades da criança vão se formando sob a influência decisiva das condições de vida e de educação que a criança vive. A influência do adulto é essencial nesse processo: a comunicação com o adulto cria a base para a aquisição da linguagem, os objetos que o adulto coloca para a criança pegar desenvolvem sua capacidade de movimento, os objetos que o adulto mostra para a criança criam a base para o desenvolvimento de sua capacidade de ver, os sons produzidos criam a base para o desenvolvimento da audição... e tudo isso cria a base para o desenvolvimento de sua atenção, de sua memória, de sua inteligência. As relações que a criança vai vivenciando com os adultos criam a base para o desenvolvimento de sua personalidade.

Para sintetizar, lembramos que no primeiro ano de vida da criança, as principais tarefas da educação e do educador em relação ao desenvolvimento da criança são:


            a. o desenvolvimento da capacidade de ver, ouvir, pegar;
            b. o desenvolvimento de ações com objetos (pegar, jogar, morder, experimentar com os objetos);
            c. o desenvolvimento dos movimentos (virar a cabeça, elevar o tronco, virar-se no chão ou no berço, sentar, engatinhar e mais tarde andar);
            d. o desenvolvimento inicial da linguagem.

No primeiro ano de vida, o trabalho edu­cativo com a criança se realiza de duas formas principais:
- através da atividade independente da criança com brinquedos e objetos
- e sob a forma de atividade individualizada do adulto com a criança quando ele alimenta, troca, dá banho na criança.

É possível, ainda, programar atividades com um grupinho pequeno de crianças para apresentar brincadei­ras, objetos e brinquedos para as crianças. Para poder trabalhar com grupos menores, aproveitamos a atividade independente das crianças com a cesta de tesouros. A cesta de tesouros é importante não apenas para a criança, mas também ajuda o trabalho da educadora, pois, enquanto a criança se entretém com os objetos da cesta, a educadora pode cuidar dos que exigem atenção e cuidado naquele momento. Quando as crianças aprendem a entreter-se nos pequenos grupos, realizando elas próprias su­as experiências e tateios com os objetos, elas estão formando as bases para a sua autonomia: isso implicará disciplina no trabalho escolar quando ela tiver mais idade, iniciativa em relação aos seus interesses, organização e possibilidade de aprendizagem mesmo quando a educadora não está perto.
 A organização do espaço da creche deve considerar essa necessidade de tateio das crianças e deve oportunizar essa experimentação rica e diversificada da criança em relação ao material disponível. É na hora do tateio que as crianças vão percebendo as características e propriedades dos objetos, e, desta forma, vão conhecendo e interpretando o mundo.
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                    
Na organização da atividade independente da criança com objetos e brinquedos, deve-se colocar o material de modo a possibilitar o contato direto com o material, e, ao mesmo tempo, estimular o des­locamento da criança para alcançar o objeto. É importante fazer um rodízio e uma seleção do material que se apresenta às crianças: não despejar a mesma caixa de brinquedos todos os dias, mas selecionar alguns brinquedos para ir variando. Da mesma forma, diversificar as cestas de tesouros e apresentá-las às crianças de forma alternada. Para as crianças que já andam, a organização do material na sala deve permitir o acesso da criança em estantes que estejam na altura que ela possa alcançar.
O desenvolvimento inte­lectual das crianças estará sendo trabalhado em todos os momentos: na atividade de tateio, na conversa com a educadora, no banho que é uma experiência rica de sensações e de experiência para a criança, na hora da alimentação. Vale lembrar que a ativi­dade psíquica que se desenvolve neste período da vida da criança é simples em comparação com as crianças mais ve­lhas, mas é importante para toda a vida futura. Só isto já justifica todos os esforços que possivelmente teremos que fazer para garantir as condições adequadas para o desenvol­vimento deste trabalho.

A atividade motora vai se refinando: se a criança teve acesso nas etapas anteriores a manipular objetos de tama­nho, formas e texturas variadas, estará preparada para pin­çar objetos pequenos (pedacinhos de pão que tenha que pegar com os dedos, pedaços de fruta, bolacha), para desenvolver ações mais complexas com objetos (tirar de caixa, recolocar em caixa, juntar e separar par­tes..), segurar a caneca, a mamadeira, a colher. Próximo a completar o primeiro ano, a criança deve ser es­timulada a comer sozinha, usando a colher ou mesmo as mãos. Nessa idade já pode também começar a explorar o giz de cera e o papel: os primeiros rabiscos em papel grande fixado no chão e, mais tarde, na parede.
Nessa idade, é preciso oferecer apoio para a criança ficar em pé sozinha e caminhar com apoio: o solário – a área externa reservada ao horário de sol dos pequenininhos - pode conter grandes tubos fixos no chão e que servem para as crianças engatinharem por dentro, buscar apoio neles para ficar em pé ou andar. Outros materiais também podem ser úteis para a criança caminhar com apoio: troncos de madeira, barras feitas com galhos de árvore ou tubos de pvc fixados junto às paredes.

O material das atividades deve expandir-se à medida que as crianças crescem: revistas, livros infantis de pano ou de papel grosso para ver e manu­sear, caixas, vasilhas, frascos plásticos, ob­jetos para empilhar, giz de cera e papel, jogos de encaixe simples
A palavra de ordem em relação ao material que deve estar disponível para o tateio da criança é DIVERSIDADE: quanto mais variado for o material a que a criança tiver acesso, mais ela percebe o mundo na sua diversidade, mais ela é levada a comparar, a estabelecer relações, enfim, mais ginástica faz o seu cérebro e assim desenvolve sua inteligência.

1.4. A crise do primeiro ano
Ao final do 1o. ano de vida, a criança já será bem diferente do que era nos primeiros dias de vida: já não é tão dependente do adulto, pois é capaz de se deslocar pela sala e buscar o que precisa, já se comunica com o adulto, já tem vontades, gostos, já percebe coisas de que gosta e não gosta. É preciso que o educador perceba essa sua nova fase de vida e deixe de tratá-la como um bebê: a criança se sente mais independente e quer cuidar de suas coisas. Se o adulto continuar a tratá-la como um bebê, ela certamente viverá uma crise de relacionamento com o adulto querendo ser tratada diferentemente. Por isso, deixá-la fazer coisas por si é importante para sua auto-estima e para seu desenvolvimento.
O desenvolvimento da auto-confiança e da auto-estima (que hoje são reconhecidos como essenciais para superar o fracasso escolar e a indisciplina) começa nos primeiros meses de vida. Quando o adulto permite que a criança tateie, experimente e faça coisas por si mesma, está demonstrando confiança na criança e isso faz nascer a auto-confiança na criança. Portanto, atenção...

2. A criança entre um e três anos
Nesta etapa que chamamos 1a infância, a criança começa a querer fazer coisas por si mesma, começa a cumprir ordens simples e a entender quando lhe dizemos "não pode fazer isto porque...". A necessidade de se sentir segura é grande e por isso é importante (para seu equilíbrio futuro) que ela se sinta querida na creche.
A atenção do adulto é para ela importante: como não há tempo para atendê-la todo o tempo, é fundamental que quando a educadora tenha um tempo para ela, o faça com carinho, que fale com ela, a acaricie. Dar-lhe pequenas tarefas que ela já possa fazer é significativo para a criança (buscar o sapato, ajudar a guardar os brinquedos, pendurar sua sacola no gancho próprio, pegar sua escova de dentes, comer sozinha...). A inicia­tiva da criança em querer fazer atividades que os adultos fazem é uma boa oportunidade de ensinar o que é de brincar e o que não (e porque não).

As tarefas da educação nesta etapa são:
            a. desenvolvimento dos movimentos (andar, subir, mover o corpo com mais desenvoltura...)
            b. independência em relação a atos simples (reconhecer suas coisas na creche (sacola, sapato), guardar a chupeta na sacola, guardar o chinelo/sapato na caixa dos sapatos quando estiverem na areia, encontrar seus sapatos no final da atividade...)
            c. aprender a usar objetos de uso diário (caneca, xícara, colher: a educadora deve dar uma colher na mão da criança e com outra ajudá-la a comer dando-lhe na boca)
            d. usar os brinquedos
e. desenvolver a linguagem
            f. aperfeiçoar a percepção visual, auditiva e tác­til
            g. desenvolver a atenção, a memória e o pensamento

O desenvolvimen­to do movimento e da linguagem é condição para todos as ou­tras funções.

O sono continua a ser importante nesta etapa do desenvolvi­mento infantil. Respeitar a necessidade de sono da criança é parte da sua saúde e desenvolvimento. Assim, não se deve acordá-la para cumprir rotinas. não há problema em que as crian­ças de uma mesma turma durmam em horários diferentes, assim as atividades programadas podem acontecer em grupos menores.

Além de acompanhar as atividades de iniciativa das crianças, a educadora pode programar algumas atividades para desenvolver com o grupo durante o dia. À medida que as cri­anças dominam o andar, é possível começar a fazer pas­seios pela creche ou mesmo no quarteirão da creche. Quanto menores as crianças, mais paradas serão necessárias (sentar, observar o que acontece ao redor e comentar o que vêem). O ideal é realizar um passeio diário. Pode ser a oportunidade de tomar o sol da manhã. Outra atividade que deve ser introduzida nesta etapa são os jogos de movimento (agachar-se, rolar, passar por baixo de mesa, cadeiras, por dentro de tubos, caixas).

É importante destacar que a educadora trabalha com o grupo que pode atender (na alimentação, no banho, no vestir) enquanto as outras crianças brincam entre si. Por isso, à medida que as crianças vão crescendo, dois elementos vão se tornando fundamentais:
            a. a educação da conduta e
            b. a independência da criança no vestir-se, desvestir-se, alimentar-se, brincar.

Em relação à educação da conduta, a criança pode ir aprendendo regras elementares: não colocar sua colher no prato do colega, colocar a cadeira no lugar depois de co­mer, lavar as mãos antes de comer, guardar os brinquedos, agradecer a ajuda de outros...). Quando há desentendimentos entre as crianças e elas são muito pequenininhas e ainda não entendem, a preocupação da educadora deve ser a de desoportunizar as brigas, apresentando outros objetos que chamem a atenção das crianças. No caso de crianças que já entendem, a educadora deve ajudá-las a resolver o problema, nunca resolver por elas.
Aos dois anos, a criança já poderá ser estimulada a tirar a roupa, sapato, meias com a orientação e ajuda do adulto. Para isso, ela precisa compreender a fala da educadora (ou seja ela precisa falar também: a compreensão anda um pouco à frente, mas não completamente desgarrada da fala da criança).. Esta é condição fundamental para a criança responder às ordens e pedidos da educadora.

A linguagem é condição tanto para a educação da conduta como para a independência: por isso, o desenvolvimento da linguagem deve ser meta desde os primeiros dias da criança na creche. O passeio é excelente oportunidade para o desen­volvimento da linguagem: observação, comentário durante e após o passeio, orientação da atenção da criança através da linguagem da educadora -conversar com as crianças sobre o que estão vendo, sobre expe­riências anteriores das crianças... Livros de história, revistas, fotos servem para que se fale dos objetos, animais e pessoas que ali aparecem, para que se conte histórias curtas com vozes e ação.
Em todas as atividades deve-se con­versar com a criança e estimulá-la a falar: responder perguntas, buscar coisas junto a outros adultos da creche, ajudar um amigo que ainda não sabe fazer algo sozinho, fazer pequenas tarefas para o grupo: colocar os ta­lheres na mesa, servir o pão, levar um brinquedo para um menor.
A educadora continua a apresentar e demonstrar os obje­tos e brinquedos que vão sendo introduzidos no grupo: esta apresentação pode ser feita na roda e os objetos são passa­dos de mão em mão para as crianças. No final da roda, podem decidir juntos onde guardá-lo.
Nessa idade, a criança começa a gostar de objetos que favorecem a imitação dos adultos: objetos de cozinha (pratos, talheres, xícaras, panela...), carrinhos, bonecas, bonecos de superheróis, jogos de encaixe, bloquinhos de madeira para construção de torres, cidades, estradas, caixas de todos os ta­manhos (para se entrar dentro, guardar coisas, abrir e fe­char, fazer garagens...)
As atividades devem ser desenvolvidas em lugar que fa­voreça sua ação: mesinha, chão, fora da sala... Água (em bacias ou torneira) e areia são muito bem-vindas pelas crianças. Atividades diárias envolvendo esses materiais serão saudáveis para as crianças até os seis anos: baldinhos, vasilhas recicladas, barcos... objetos que flutuam e afundam... tudo será bem-vindo. As crianças gostam de coisas para empurrar ou puxar por um bar­bante (carrinhos, caixas, etc.)
Os lápis de cor, giz de cera, tinta para pintar a dedo sobre papel (não se esquecer de forrar a mesa ou chão com um jornal) também permitem atividades agradáveis e as primeiras experiências de expressão.
A criança gostará ainda de imitar as distintas ativida­des que ela vê os adultos fazendo: varrer, espanar, marte­lar, consertar coisas, fazer comida.... É importante deixar a criança realizar as atividades que quiser, com material adequado à sua idade, pois a atividade é o ele­mento principal no desenvolvimento da sua inteligência e personalidade.
Se observamos as crianças pequenas em suas atividades, descobriremos rapidamente o que elas gostam de fazer e como exploram os diferentes materiais... Com isso, poderemos aperfeiçoar nossas propostas de atividades e material, lembrando sempre que cabe ao educador diversificar a atividade da criança: ou seja, devemos conhecer suas preferências e gostos e permitir que se criem outros que nós podemos ensinar...

Alguns elementos para os quais precisamos estar atentos:
            - respeitar a lateralidade da criança
            - não imitar sua maneira de falar
            - se a criança está de posse de objeto perigoso, substituir este objeto perigoso por um adequado, nunca apenas tirar o objeto das mãos da criança e, muito importante, evitar fazer sermão ou drama. 
- as crianças vão competir pelos brinquedos: ga­rantir sempre muitos brinquedos e objetos nas estantes.
- na imitação do adulto que a criança começa a fazer mais intensamente a partir de um ano, os aspectos negativos da conduta são os que mais chamam a atenção (falar alto, agre­dir) e como tal tendem a ser os mais copiados. Daí a neces­sidade de um comportamento tranqüilo da educadora (e mesmo dos pais: assunto importante para as reuniões de pais), pois as crianças certamente aprendem com ele.

Próximo dos três anos, a coordenação motora da mão é o elemento central do desenvolvimento. Alimentar sozinha, escovar os dentes, fazer garatujas, banhar-se sozinha ...tudo isso desenvolve sua coordenação motora.
Agora mais in­tensamente, acriança vai querer fazer tudo o que os adultos fazem: assume o pa­pel do pai, da mãe, e de outros que conhece. Gosta de fazer as coisas sem a ajuda dos adultos, e quando não consegue, fica impaciente. Mais do que nunca, o trabalho do educador deve ser com e não para e nem pela criança.
A criança começa a dominar e expressar as características dos objetos: cor, forma, tamanho, textura. Seu vocabulário se amplia e agora se expressa por frases e orações. Com o desenvolvimen­to da linguagem, cresce o interesse por histórias, relaci­ona-se melhor com outros adultos e outras crianças: é um mo­mento de mudanças, pois aprende a partilhar suas coisas. Como diz Leontiev (1988), entre os três e os seis anos, o mundo se abre para a criança.

Aos três anos, sua linguagem está melhor desenvolvida: novas tarefas se colocam para a educação:
a.                           podemos ensiná-la com mais ênfase a res­peitar a natureza: plantando e cuidando de plantas com ela, cuidando de pequenos animais, mantendo a limpeza do ambiente, jogando lixo no lixo.
b.                          aperfeiçoar os hábitos de cultura (cumprimentar, despedir-se, pedir licença, ter simpatia pelos amigos da escola) e de higiene
c.                           educar o interesse por atividades distintas (desenho, mú­sica, as histórias)
d.                          educar a atenção,
e.                           desenvolver nela o sentido de organização: o cuidado com os objetos e com os brinquedos.


Além disso, a criança precisa de espaços amplos para correr, pular, brincar com bola, etc., precisa seguir aperfeiçoando a coordenação motora da mão aprendendo a usar os instrumento que funcionam como uma extensão da mão: lápis, tesoura, talher, martelo, agulha)

Este também é um período de expansão do vocabulário tanto do que ela compreende quanto do que ela usa: ler e contar histórias pode fazer parte das atividades diárias. Podemos, ainda, pro­por atividades para estimular este domínio: contar coisas que acontecem na vida diária, planejar o dia de atividades, lembrar as rotinas da creche, combinar coisas, conversar sobre as situações que acontecem no grupo, avaliar o dia no final da tarde, aprender novas músicas.

Em todas as situações que experimenta, a criança aprende: observa, levanta hipóteses sobre o que vê, tira conclusões, interpreta o mundo que passa a conhecer. Quanto mais situações diferenciadas puder experimentar, mais se desenvolverá sua inteligência. A expressão, que expressa a interpretação que a criança faz do que vê e conhece, é importante nesse processo: é hora de ouvir a criança, valorizar seus desenhos, suas histórias e teorias.

O desenho é uma forma muito importante de expressão da criança onde ela expõe o que aprende do mundo e fixa as imagens do mundo que passa a reconhecer. Nesse sentido, é fundamental que a criança desenhe sempre o que ela vê, gosta, vive, lembra (das histórias que ouve, da vida, das situações vividas na escola). O desenho é, ao mesmo tempo, expressão e registro do vivido.
Nesse sentido, de nada adiantam os de­senhos mimeografados. Que sentido podem eles ter para as crianças? O que podem ensinar? Por outro lado, o registro feito pelas crianças das atividades realizadas é um meio de linguagem que prepara para o texto escrito: enquanto coorde­nação motora e enquanto produção de texto propriamente. Nes­tes registros ficam as interpretações das crianças das expe­riências vividas de acordo com a imagem mental que elas têm naquele momento dos objetos, e o processo é completo: elas pensam sobre o vivido, selecionam os objetos que são signi­ficativos para representar a situação, planejam sua elabora­ção, executam e avaliam se está a contento, de acordo com sua intenção inicial. Portanto, o desenho pela criança nem se compara com o desenho mimeografado que, além de tudo, exigem trabalho extra e desnecessário para a educadora. Não há nada de mais atrasado em matéria de procedimento didático do que os desenhos mimeografados: isso já é coisa do passado quando não se sabia nada sobre as necessidades do desenvolvimento infantil.
Nessas atividades e em tantas outras (com elementos na­turais como folhas, sementes, toquinhos de madeira; com quebra-cabeças; jogos de memória) e através de atividades livres e dirigidas as crianças vão percebendo as formas, as cores, as texturas, os tamanhos, as funções dos objetos.

Próximo aos três anos, as crianças passam dos jogos individuais às formas mais simples da atividade coletiva. Para esses jogos coletivos e esse brincar de faz-de-conta, muito ajudará se ela tiver aprendido a ajudar os colegas, ajudar na limpeza da sala, da mesa, ajudar a guardar o material da sala, ouvir os amigos e esperar sua vez para falar.

2.1. O brincar
Os estudiosos do desenvolvimento infantil vêem com grande preocupação que em muitas escolas da infância, cada dia menos se brinca. Muitos pais e os educadores procuram antecipar a escolarização com apostilas, cartilhas, tarefas, trabalhinhos que enchem o dia da criança na escola. Parece que esses adultos pensam que vão apressar o progresso tecnológico abreviando a infância e acelerando artificialmente o desenvolvimento da criança.
Ora, hoje sabemos que, se pudermos garantir à criança as condições adequadas de vida e de educação, ela desenvolve intensamente, e enquanto é ainda muito pequena, capacidades intelectuais, práticas e artísticas, e começa a formar as primeiras idéias, sentimentos, hábitos morais e os traços de caráter. Isto por que a criança aprende desde que nasce e, porque aprende, se desenvolve.
Ao mesmo tempo, também sabemos que, em cada momento da vida do ser humano, há uma atividade que melhor permite o desenvolvimento de sua inteligência e de sua personalidade (ou seja, as idéias e sentimentos morais, a capacidade de viver em grupo, ser solidário...). Isto significa que a capacidade de aprendizagem da criança tem um caráter seletivo, específico e em cada etapa de seu desenvolvimento, a criança apresenta uma sensibilidade em relação a determinadas influências educativas e a determinados tipos de atividades e não em relação a todos. Se não respeitamos essas possibilidades reais de seu desenvolvimento em cada etapa, não avançamos esse desenvolvimento, corremos o risco de não garantir nem aprendizagem nem desenvolvimento e, pior ainda, passamos a treinar nossas crianças, a cansá-las e a criar nelas uma visão de escola como um lugar ruim e, aí, todo seu progresso futuro na escola fica comprometido.
E quais serão os procedimentos adequados para garantir, em cada etapa do desenvolvimento infantil, o desenvolvimento máximo das capacidades, habilidades e aptidões humanas na criança?
Vimos que nos primeiros meses de vida, a atividade através da qual a criança se desenvolve é a comunicação com os adultos que se aproximam dela e lhe cuidam. A criança, nessa idade, não é capaz de se comunicar através de palavras, mas já é capaz de se comunicar através de suas emoções. Por isso, chamamos essa comunicação entre a criança e o adulto de comunicação emocional. A atenção e a fala carinhosa do adulto é o maior incentivo ao seu desenvolvimento nessa idade. Além disso, ela está acumulando experiências através do olhar e da audição. Por isso, também a música agradável e objetos coloridos e sonoros em movimento estimulam sua percepção.
A partir dos seis meses de idade, a criança passa a se interessar também pelos objetos que o adulto aproxima dela e, mais tarde, pelos objetos que o adulto utiliza. Essa atividade de brincar experimentando os diferentes objetos que vamos apresentando para ela é o melhor incentivo ao seu desenvolvimento até próximo dos três anos de idade: ao pegar, lamber, morder e experimentar com os mais variados objetos, a criança observa, se concentra, escolhe, experimenta, troca um objeto por outro, interage com as outras crianças que estão à sua volta, tenta resolver as dúvidas que a manipulação dos objetos gera e, com isso, envia importantes estímulos ao seu cérebro. Nesse brincar, ela descobre coisas leves, pesadas, grandes, pequenas, lisas, coisas que param em pé, coisas que rolam, coisas de diferentes cores e tamanhos, coisas que flutuam e afundam, coisas que fazem barulhos diferenciados, coisas moles, duras, macias e ásperas, coisas que se encaixam uma na outra, coisas que podem ser empilhadas, coisas que podem ser abertas e fechadas... com isso, vai conhecendo o mundo dos objetos e vai ampliando sua percepção, sua comunicação, seu desenvolvimento motor, vai acumulando experiências e criando uma memória, vai desenvolvendo a atenção, a fala e vai fazendo teorias, ou seja, vai explicando e interpretando o que vai conhecendo. Em outras palavras, vai desenvolvendo o pensamento.
Próximo aos três anos de idade, andando, correndo, falando, podendo fazer sozinha o que antes precisava do adulto para fazer por ela, a criança pensa que é grande e quer fazer tudo o que testemunha os adultos fazendo. Só que não pode, por que ainda é pequena: não consegue dirigir o carro, nem o ônibus, nem cozinhar... só resta uma saída, fazer de conta,  brincar de dirigir ônibus, cozinhar... imitando os adultos em todas as ações que chamam sua atenção. Enquanto faz isso, a criança vai desenvolvendo funções psíquicas e atitudes que são condição para seu desenvolvimento futuro na escola e na vida. Quando brinca em grupo, aprende a difícil e essencial arte de viver em grupo: aprende a esperar sua vez para ser a mamãe, a princesa ou o motorista do ônibus, aprende a combinar com os amigos a divisão dos papeis, exercita a atenção e a memória ao imitar atitudes e ações do personagem que ela representa, aprende a controlar sua conduta (pois, enquanto é o motorista do ônibus não pode fazer o que quer, mas tem que agir como um motorista), além disso, exercita a linguagem, o pensamento e compreende os diferentes papéis sociais que percebe na sociedade que a rodeia.
Até os seis anos de idade, o brincar será a atividade principal da criança, ou seja, a atividade através da qual a criança mais aprende e se desenvolve. Nesse brincar de fazer de conta, a criança desenvolve, ainda, uma função essencial para a apropriação da linguagem escrita: a função simbólica, a utilização de uma coisa representando ou simbolizando outra. Ao brincar com um toquinho de madeira que representa um carro, a criança cria as bases para, mais tarde, entender que a escrita representa o nome da coisa e que o nome, por sua vez, representa a coisa real. Ao brincar, ainda, a criança está firmando valores (o que é certo e o que é errado) e sentimentos morais e éticos... em outras palavras, está criando as bases de sua personalidade.
Por tudo isso, entendemos que as condições adequadas para garantir o máximo desenvolvimento da criança não se criam com o ensino forçado, antecipado, dirigido a encurtar a infância, a converter antes do tempo a criança pequena em pré-escolar e o pré-escolar em escolar. Ao contrário, é indispensável o tempo livre para brincar... A partir do brincar orientamos a formação das qualidades que, a partir dos primeiros anos de vida, servem como base para o desenvolvimento do bem mais valioso dos homens: a personalidade humana madura.

2.2. A gênese do pensamento
Na atividade com objetos, a criança vai expandindo seu tateio. Quando ela começa a relacionar dois objetos para alcançar um objetivo, vemos aí uma primeira manifestação do pensamento. Isto acontece, em geral, próximo a completar um ano. Primeiramente, a criança se vale de relações já formadas (quando os objetos estão já relacionados entre si): por exemplo, a criança quer alcançar uma boneca que está sobre uma almofada. Ela não alcança a boneca, mas alcança a almofada. Então percebe que puxando a almofada pode alcançar a boneca.
Na 1a. infância (isto é, entre 1 e 3 anos), a criança se valerá cada vez mais dessas relações pré-estabelecidas. Aos poucos vai aprender a realizar ações mais diversas que requerem novas relações entre objetos que não estão relacionados.

No início, o estabelecimento dessas relações se produz por meio de provas práticas, ou seja, por acaso. Por exemplo, quando a criança quer encaixar uma peça no orifício da casa de chaves, ela toma a peça e vai por tentativa buscar encontrar o orifício por onde a peça pode ser introduzida na casinha. Nesse caso, chamamos seu pensamento de pensamento visual por ações, pois se realiza mediante ações externas que servem de ponto de partida para ações psíquicas internas (por meio do pensamento).
Por volta dos três anos, têm início as ações intelectuais realizadas sem provas externas, mas com base em “modelos” que são lembranças acerca dos objetos e suas formas de utilização. Nessa fase, o pensamento já trabalha com modelos e não com objetos reais. Chamamos esta forma de pensamento de pensamento visual por imagens. Este tipo de pensamento constitui o início do processo de generalização (a união mental de objetos e ações que representem os mesmos traços).
Os primeiros provocadores de generalização são os objetos e ações. Estes têm importante papel no desenvolvimento do pensamento infantil pois preparam as bases para a linguagem que é pura generalização.
No 3o. ano de vida, começa a se formar a função simbólica da consciência, ou seja, a possibilidade de estabelecer uma relação de substituição: usar um objeto no lugar de outro. O ser humano é o único animal capaz de utilizar signos. A função simbólica se desenvolve inicialmente em relação às atividades práticas e só depois se translada ao uso das palavras: quando a criança começa a pensar por meio delas. Portanto, a premissa para o surgimento da função simbólica é o domínio das ações com objetos e a separação posterior da ação do objeto. Quando a ação começa a se realizar sem o objeto ou com um seu substituto, a ação se transforma de fato numa imagem, numa representação de uma ação real. Este importante avanço no conhecimento do mundo circundante e isto se manifesta não apenas no domínio do jogo, mas em todo o seu comportamento diário e outros tipos de atividade.
A função simbólica reestrutura o desenho infantil e dá base para o próprio jogo de papeis – faz-de-conta. Quando a criança se apropria da idéia da representação, compreende que o desenho pode representar algo e passa a buscar a representação dos objetos e situações em seus desenhos. O mesmo se dá com o faz-de-conta: a função simbólica permite que ela se ponha no lugar de outro. Quando brinca de faz-de-conta, a criança lança mão de objetos e se a gente observar como muda a utilização que ela vai fazendo desses objetos, perceberemos o caminho do desenvolvimento de seu pensamento.
Primeiro a criança usa um carrinho pra fazer de conta que é um carro (daí a importância de diversificarmos os objetos disponíveis na sala).  Num passo posterior, substitui o carro com um toquinho de madeira desde que o toquinho de madeira lembre de alguma forma o carro. Esse processo de substituição se aprofunda e a criança passa a utilizar apenas a idéia do objeto em seu pensamento: ela faz de conta que tem um carrinho na mão. Nesse processo de uso dos objetos, o pensamento da criança se torna cada vez mais elaborado, a criança começa a desenvolver a função simbólica, o conceito de representação -que vai ser essencial na hora de aprender a ler e escrever.

3. O espaço da creche
A organização do espaço da creche é essencial para garantir o desenvolvimento máximo da criança e de sua autonomia na creche e facilitar o trabalho da educadora.

Num tempo não muito distante no passado, pensava-se que a criança só se desenvolveria perto da mãe. No entanto, com a necessidade das mulheres que trabalhavam fora de ter um lugar onde deixar seus filhos, as pesquisas começaram a considerar o desenvolvimento das crianças em creches. Com isso, foi ficando claro que as crianças também se desenvolviam no espaço extra-doméstico. Como deveria ser este espaço da creche? Deveria ter a cara de escola ou a cara de casa?

Com o desenvolvimento das pesquisas, hoje se percebe que o espaço com a cara de escola não corresponde à riqueza necessária aos processos de aprendizagem das crianças que têm lugar nos primeiros anos de vida: o espaço da creche deve ser um elemento de provocação da experiência da criança. A creche deve ser rica de objetos que a criança possa manipular, tatear, experimentar. Quanto mais diversificada for a experiência da criança, maior a ginástica que se está oferecendo ao cérebro infantil e, com isso, provocando seu desenvolvimento. O material diversificado deve ser de livre acesso à criança para que ela possa ir formando sua autonomia e sua auto-estima, aprendendo a conviver com as outras crianças... em outras palavras, formando sua personalidade à medida em que conhece o  mundo ao redor. Por isso, a creche deve ser um ambiente provocador de experiências e acolhedor para as crianças.

Além da criança, o educador e os pais precisam estar contemplados quando estruturamos o espaço da instituição de educação da infância.
O espaço da creche é também o lugar onde o educador organiza o conhecimento do mundo para a criança, onde ele garante o cuidado que a criança exige nessa fase de sua vida e onde ele aprende sobre a criança a partir da observação que faz de sua atividade individual e em conjunto com as demais crianças. Por isso, deve possibilitar o trabalho das educadoras facilitando sua atenção individualizada para as crianças em alguns momentos e também permitindo alguns momentos mais tranqüilos de trabalho quando o educador pode observar as crianças em atividade.
Os pais precisam se sentir acolhidos na creche, devem poder conhecer a creche por dentro, ter acesso aos espaços onde as crianças passam o dia, conhecer as atividades que as crianças realizam.

Essa organização do ambiente vai sendo concretizada com o passar do tempo, e a cada ano não se parte do zero, mas sempre se acrescenta: é um processo de construção e descoberta conjunta de educadores, crianças e pais. Esse espaço que proporciona experiências ricas e variadas para as crianças deve ser construído aos poucos, com a ajuda das famílias, de profissionais, com material reciclado... não é a riqueza de recursos financeiros que mais importa, mas a riqueza de idéias, uma nova cultura entre educadores e famílias, entre educadores e crianças.
O mobiliário pode ser, em parte, já constituído no momento da construção do prédio (prateleiras de alvenaria, paredes equipadas, bancadas, armários embutidos) e, em parte, construído de acordo com as necessidades, considerando sempre a economia de espaço, funcionalidade e estética.
O princípio fundamental em relação à organização e ocupação dos espaços deve considerar a sua utilização de maneira múltipla: para as crianças menores se faz necessário um espaço específico para o sono, uma vez que as crianças nos dois primeiros anos de vida dormem por longos períodos de tempo e mais de um sono por dia. No entanto, para as crianças maiores, não há sentido em ter um dormitório permanentemente ocupado por berços ou camas: vale a pena utilizar colchões que são espalhados pela sala na hora do sono e depois empilhados (ou guardados em armários) deixando o espaço livre para usos diversos. O princípio da utilização máxima dos espaços também faz do refeitório um espaço para usos múltiplos.
Não deve haver hierarquia entre os espaços, ou seja, espaços mais importantes que outros: por isso, a copa onde as crianças comem, o espaço de dormir, assim como a sala de atividades devem ser igualmente cuidados e todos devem ser tratados educativamente, decorados pelas crianças como espaços de enriquecimento de suas experiências.

Tudo isso envolve uma mudança de concepção em relação ao espaço da creche: a organização dos ambientes acontece para estimular e enriquecer a experiência da criança na creche porque acreditamos que ela é competente para aprender.

3.1. O espaço da creche e a imagem da criança
A organização do espaço da creche –ou da pré-escola- é o resultado dos nossos saberes sobre a infância, por isso, reflete a cultura de quem o organiza. É por isso que, ao observar o espaço das escolas e creches que visitamos, podemos conhecer as concepções expressas nesses espaços  (a concepção de criança, de processo de conhecimento, a importância que a criança tem nesse espaço, a importância que os pais merecem nessa instituição. O espaço pobre de estímulos, expressa a concepção de criança como alguém incapaz de aprender.
No entanto, os estudos realizados considerando as crianças nos primeiros anos de vida têm demonstrado que a criança é:
competente,
capaz de interagir com os objetos,
capaz de estabelecer relações com outras crianças e com os adultos,
capaz de interpretar as coisas que vê e experimenta e de fazer teorias sobre elas.

É preciso que o espaço da creche seja estruturado para expressar essa relação com a criança não apenas como alguém a ser protegido, mas como alguém capaz de conviver com os outros, de exprimir seus sentimentos em relação ao mundo e de fazer teoria sobre esse mundo que ela passa a conhecer.

É importante lembrar, ainda, que cada criança tem a sua história a partir daquilo que ela já viveu e vive. O espaço da creche deve, por um lado, respeitar a história da criança, fortalecendo sua identidade e, por outro lado, permitir uma nova história da criança no ambiente. Assim, não se trata de ignorar ou tentar mudar a história de cada criança, mas de conhecê-la e compreendê-la criticamente. Em outras palavras, no espaço tem que caber a criança, sua história e as oportunidades de desenvolvimento tanto no plano físico como no plano cognitivo. Nesse sentido, todos os espaços são importantes, não há uma hierarquia de espaço: os espaços devem ser caracterizados de acordo com as atividades diferenciadas que ali se desenvolvem e –importante- no lugar do espaço anônimo, asséptico e que lembra um hospital, devemos criar um espaço com identidade. Essa identidade começa com o nome do espaço que pode ser dado pelas crianças freqüentadoras da creche, se fortalece com a participação da criança na própria organização desse espaço e com as marcas que ela vai deixando nesse espaço - que vai se tornando, assim, cada vez mais um espaço da criança.

A entrada da creche é um espaço de transição entre a casa e a creche: deve ser um espaço que capture o interesse da criança, que chame a atenção da criança para uma experiência positiva frente à separação com a mãe ou pai e enfatize o direito da criança viver em outro espaço seu. A criança precisa chegar num ambiente que está aberto para conter a sua história e a história de sua família: que não é um lugar dos adultos que ali trabalham, mas que contém marcas suas, que valoriza sua história e onde ela reconhece as coisas que ela e seus colegas fazem na creche. Se logo na entrada da creche, a criança encontra um painel com fotos das crianças e onde ela se encontra também, ela já se sente parte do lugar. É claro que só isso não basta: estamos falando de um projeto pedagógico que considera a necessidade da criança de sentir bem estar e serenidade para conhecer o mundo que a rodeia e, nesse processo, criar aptidões, desenvolver sua inteligência e iniciar o processo de formação de sua personalidade para ser solidária, curiosa, de bem com a vida.

Se queremos que as crianças se sintam como alguém que tem importância na creche – e isso hoje sabemos que é essencial para o desenvolvimento de sua auto-estima e de seu sucesso escolar -, devemos organizar os espaços e seus cantos para dizer para as crianças que o espaço é delas.
Há várias maneiras como isso pode ser dito:
1.                          uma caixa de papelão com uma foto da criança (um xerox de uma foto ou mesmo um desenho feito por ela para identificar sua caixa) define um lugar onde ela pode guardar as coisas que ela quiser à medida que ela vai se movimentando com mais autonomia pelo espaço (seus desenhos, sua coleção de tampinhas, suas coisinhas...),
2.                          a exposição de seus desenhos e de outras coisas produzidas por elas,
3.                          manter os brinquedos e os objetos de interesse delas em estantes da altura das crianças para que elas tenham acesso ao material...

Além disso, a criança está construindo sua identidade e o espaço é um elemento que deve favorecer essa construção. O acesso da criança aos materiais, ao oportunizar múltiplas experiências, favorece o desenvolvimento da auto-estima e o desenvolvimento da identidade da criança como alguém capaz de aprender e de fazer coisas por livre iniciativa.  O espelho também é instrumento importante no conhecimento de si mesmo: favorece a formação pela criança de uma imagem de si mesma o que possibilita o cuidado consigo mesma, o gostar e o respeitar a si mesma... condição para ela gostar dos outros e respeitar e respeitá-los também.

Assim, entre a creche com cara de casa e a creche com cara de escola, entendemos que, ainda que a creche não deva ser uma cópia da casa, ela deve ter mais a aparência de casa do que de instituição (hospital ou escola). Deve se compor de espaços privados e coletivos: a criança precisa de lugares onde ela possa estar só, assim como de espaços onde esteja com crianças da mesma idade, precisa ter espaços para encontrar crianças de idades diferentes, espaços para estar com e sem a educadora. Os esconderijos, como as caixas de papelão, as casinhas de madeira, os espaços criados com panos, as tocas ou espaços fechados improvisados por cortinas embaixo das bancadas onde a educadora troca as crianças... são lugares onde só as crianças devem entrar.

O adulto é o mediador da relação da criança com o mundo, no entanto essa mediação não precisa ser sempre direta e presencial: quando o adulto pensa o espaço como um estímulo ao desenvolvimento da criança, já estará fazendo essa mediação, e não precisará estar presente imediatamente na atividade que a criança desenvolve. Se os materiais estão guardados em locais de fácil acesso às crianças (bancadas na altura das crianças) e organizados em caixas ou cestas de onde as crianças retiram o material de que necessitam e depois guardam, o trabalho da educadora se torna mais tranqüilo, pois as crianças passam a depender menos dela para realizar atividades de tateio e de exploração que enriquecem sua experiência na creche e seu conhecimento do mundo. As crianças que têm seu tempo ocupado de forma interessante e livre são mais felizes, choram e adoecem menos do que as crianças que não vivem experiências de tateio e de experimentação livre.

Outro aspecto importante a considerar é que à medida que aprende a usar os objetos e os instrumentos, a criança vai formando aptidões, capacidades e habilidades. Deste ponto de vista, o espaço da creche, ao favorecer o contato com a cultura, está garantindo a formação dessas aptidões e habilidades. Sendo assim, se a creche puder oferecer o melhor da cultura, estará contribuindo para formar as melhores aptidões nas crianças. Essa compreensão merece uma reflexão. De um modo geral, os educadores decoraram as paredes da creche, e isso é muito saudável, pois as crianças aprendem a achar bonito aquilo que vêem e desenvolvem seu senso estético a partir da experiência que têm. É preciso tomar cuidado com reproduções (como do Mickey, Pato Donald e etc.) que têm atrás de si uma carga forte de idéias que não conhecemos e se conhecêssemos não compartilharíamos. Precisamos superar este tipo de “arte” que não é arte. Da mesma forma, os desenhos que o adulto faz para as crianças imitando as crianças ou apenas reproduzindo personagens, situações que nada têm nem de artístico, nem de expressão da criança. Historicamente o ser humano pinta para expressar sentimentos, para registrar fatos que se destacam em sua história e sua pintura tem sempre o caráter de despertar o senso estético, as emoções, os sentimentos humanos. É também com esse caráter, com a perspectiva de educação estética das crianças que expomos pinturas feitas por pintores reconhecidos. Portanto, devemos superar o besteirol de “brancas de neve e sete anões” pintados em isopor, trenzinhos e animais enfeitados com florzinhas, etc. Além disso, o espaço das paredes deve ser sempre ocupado de forma temporária, nunca de forma definitiva, portanto lancemos mão de cartazes e não de pintura definitiva nas paredes.

A organização das estantes facilita também o trabalho do educador que não precisa ficar sempre propondo atividades: as próprias crianças acharão atividades de interesse no espaço que for atrativo. Não há necessidade de alguém dizendo o tempo todo o que fazer.  Hoje descobrimos cada vez mais que o fracasso escolar está ligado com a perda da auto-estima e da auto-confiança da criança. E isso é tão sério que o papel da escola, hoje, em relação aos alunos que fracassam, é interromper essa falta de autoconfiança. Se o adulto tem confiança na criança, esse é o caminho para provocar na criança o desenvolvimento da auto-confiança. O tateio livre das crianças pequenas no ambiente onde se encontram (e mais ainda se esse ambiente é intencionalmente preparado para provocar nas crianças o desejo de experimentar, conhecer os objetos que ali se encontram), além de ser um procedimento que ativa a reflexão e o conhecimento (em todas as idades), é também elemento essencial na construção desta tão necessária auto-confiança.
A boa organização do espaço oportuniza também uma socialidade mais positiva não só entre as crianças e o educador, mas também entre as próprias crianças. Se pudermos projetar espaços livres de acesso com tempo para as crianças explorarem livremente, como caixas grandes de papelão, ou barracas, espaços divididos por panos, papel celofane, espelhos e estantes com material atraente para brincar, certamente as crianças não terão grandes razões para brigas ou desentendimentos.

Para isso, os armários ou as estantes tem que ter uma ordem estável, ou seja, é preciso obedecer critérios na hora da arrumação das estantes:
-          o espaço deve ser legível, ou seja, de fácil localização dos materiais,
-          deve permitir o acesso das crianças, estar na altura das crianças
-          deve ser visível enquanto oportunidades de oferta de material, jogos, etc, ou seja, deve ser atrativo

As estantes podem ser organizadas de modo temático: os diferentes tipos de sucata, material de desenho e pintura, material de montagem, massinha... coisas que coletamos nos nossos passeios (folhas secas de todo tipo, pedrinhas, sementes de todo tipo), plantas vivas, coisas do nosso museu....
Quando organizamos o espaço da creche, temos como resultado a autonomia e a organização das crianças. Por autonomia ou independência da criança pequena, entendemos a capacidade da criança “tomar e conduzir iniciativas próprias para aquilo que diz respeito tanto ao controle do próprio corpo (comer, ir ao banheiro, vestir-se, adormecer), quanto às atividades motoras, cognitivas e lúdicas. Neste sentido, autonomia é sinal de bem-estar psico-físico e se acompanha de uma relação tranqüila entre adulto e criança. Autonomia não significa separação, significa, pelo contrário, segurança da relação e capacidade de modular, por parte da criança, as suas exigências de contato ou de controle a distância do adulto, não sendo distraída pelo medo de ser abandonada, ou pelo temor de ser interrompida, podendo, assim, dedicar-se com concentração e determinação às várias atividades.”[1] Permitir que as crianças tomem iniciativas autônomas e que as conduzam até o fim e que procurem o adulto quando tenham necessidade, favorece um comportamento mais tranqüilo e mais estável em que a concentração e o interesse da criança por aquilo que ela faz são reforçados.
A organização do espaço tem também um sentido estético que vai sendo desenvolvido nas crianças: elas começam a gostar do espaço organizado e com uma certa arrumação e ordem. A organização do ambiente convida a criança a respeitar a organização, deixando, ela também, as coisas em ordem. O respeito que o adulto demonstra quando organiza o espaço para a criança, ela vai aprendendo a devolver no final da atividade, aprendendo a colocar as coisas de volta em seus lugares.

4. As relações dos adultos com as crianças
Ao mesmo tempo, considerando as peculiaridades dessa fase de desenvolvimento da criança (o apego à mãe, por exemplo), é preciso que a creche empenhe-se em assegurar um clima de serenidade e de bem-estar às crianças que aí passam o dia, uma vez que a serenidade e o bem estar da criança são elementos essenciais à formação adequada de sua inteligência e personalidade. A afetividade é um elemento muito importante na relação com a criança. Na situação da creche, a ausência da mãe precisa ser compensada por uma relação tranqüila: a criança precisa se sentir segura.

4.1. Uma creche de qualidade: os direitos das crianças 
O documento distribuído pelo MEC acerca dos critérios para atendimento em creche aponta elementos que devem ser considerados pelos educadores como forma de avaliar o trabalho que desenvolvem e de orientar as mudanças no trabalho com as crianças: o direito à brincadeira; à atenção individual; o direito a um ambiente aconchegante, seguro e estimulante; o direito ao contato com a natureza; o direito à higiene e saúde; o direito a uma alimentação sadia; o direito a desenvolver sua curiosidade, imaginação e capacidade de expressão; o direito ao movimento em espaços amplos; o direito à proteção, ao afeto e à amizade; o direito a expressar seus sentimentos; o direito a uma especial atenção durante seu período de adaptação à creche; o direito a desenvolver sua identidade cultural, racial e religiosa.
* Neste ponto de nossos estudos, vamos nos deter nessa reflexão sobre esses direitos da criança. O texto Critérios para um Atendimento em Creches que Respeite os Direitos Fundamentais das Crianças foi publicado pelo MEC/Secretaria de Educação Fundamental, Brasília, 1995.

4.2. A crise do terceiro ano
Podendo andar, correr, falar e entender os colegas e os adultos ao seu redor, a criança aos três anos de idade pensa que é grande e quer ser tratada como tal.
A partir dessa idade, a criança começa a perceber-se como alguém que tem existência independente do restante das pessoas e do mundo ao seu redor, que tem suas próprias inclinações e desejos coincidentes ou não com os desejos dos adultos. Cresce seu desejo e possibilidade de independência, e aparece a palavra “eu” em seu vocabulário. É momento de ruptura com seu comportamento anterior. Isso implica que sua relação com os adultos se modifique: compara-se com os adultos e quer ser igual a eles, quer fazer as mesmas ações que os adultos realizam (“eu faço”, “eu sozinha”).
Se os adultos não percebem essas novas possibilidades da criança e continuam a tratá-la como um bebê, teremos o que se conhece na Psicologia como a crise dos três anos. Ela se indispõe contra o adulto que a educa, faz birra, bate... Esta não é uma crise natural, mas criada pela circunstância da criança querer fazer as coisas por si própria e os adultos continuarem achando que ela "não pode fazer nada por que ela ainda é muito pequena, é criança e criança é incapaz de fazer ou de aprender a fazer".
Quando o educador compreende a tempo as crescentes possibilidades da criança e as satisfaz propondo novas atividades e novas relações, ou se supera a crise ou ela nem chega a acontecer.
Nessa idade, pois, a criança já deve estar se alimentando sozinha, se vestindo e se despindo sozinha, se banhando e se enxugando sozinha, ajudando em pequenas tarefas, ajudando a guardar os brinquedos, os materiais de sala...
Por ser um período de transição, a criança pensa e quer se comportar às vezes como adulto e às vezes como criança; às vezes faz manha e às vezes quer fazer tudo sozinha.
De todo modo, o fato de que a criança comece a distinguir-se dos outros, a comparar-se com os outros constitui um grande avanço em seu desenvolvimento, cria as premissas necessárias para a formação de sua personalidade. Por que se compara aos adultos e com as outras crianças e porque se percebe como alguém separado dos outros, nesse período surgem os sentimentos de orgulho e de vergonha. O adulto precisa estar atento a isso, pois a insatisfação emocional contribui para o desenvolvimento de qualidades negativas da criança em relação a si mesma e aos outros. Ao mesmo tempo, as palavras de afirmação do adulto, os elogios dos adultos vão orientar a criança em relação à conduta adequada na relação com os colegas, com os materiais da escola, na relação com a natureza e com os adultos.

4.4. O papel do adulto
A relação do adulto com a criança precisa considerar que a criança precisa se sentir causa de alguma coisa. Como lembra Leontiev (1988), o lugar que a criança ocupa nas relações sociais das quais participa tem força de motivação no seu desenvolvimento. Assim, se a criança ocupa um lugar importante nas relações familiares ou na creche, ou seja, se ela é tratada como alguém importante na creche e na família, essa relação impulsiona seu desenvolvimento para a frente. Se, ao contrário, a criança for tratada como alguém sem importância, essa relação retarda seu desenvolvimento.

A função do adulto é ser leitor da necessidades das crianças e organizador do contexto para garantir que este responda às necessidades das crianças. Para fazer essa leitura das situações de modo a reconhecer as crianças e suas famílias nas suas particularidades, na sua diversidade cultural é preciso que o educador esteja disposto. Cabe ao adulto/educador também a proposição de um projeto de educação e desenvolvimento das crianças e o acompanhamento deste projeto. Para fazer isso, o educador precisa refletir sobre quem é a criança, sobre como se dá seu processo de desenvolvimento, ter clareza sobre as forças que impulsionam esses desenvolvimento, e, a partir daí, refletir sobre seu papel no processo de ajudar o crescimento e desenvolvimento da criança. Não é papel do educador vigiar, cuidar, controlar, fazer pela criança, mas propor atividades atraentes, por a criança em condições de agir, ser companheiro das brincadeiras, estabelecer uma relação de carinho e cumplicidade com a criança. Essa cumplicidade é essencial e para estabelecê-la o educador precisa redescobrir sua própria infância: não é o funcionário que se curva ao peso do trabalho que é capaz de tal relação.
Essa relação não é difícil de estabelecer: é preciso que o educador queira estabelecer essa relação com suas crianças, que queira definir dessa forma a sua função de adulto na relação educativa. É preciso fazer a crítica daquilo que nos ensinaram ou nos des-ensinaram até agora. As dificuldades advém também das condições concretas de trabalho que dificultam a adesão do educador a uma relação de companheirismo com as crianças. O importante é que o educador não se sinta culpado e tomar uma atitude ativa de observar o contexto onde atua para perceber o que interfere/ o que dificulta esse processo, e, a partir daí, procurar pouco a pouco superar esses dificultadores. Há uma responsabilidade absoluta que o educador precisa assumir: uma transformação radical no sentido da busca da sua profissionalidade.

Para Vygotsky, o bom educador não é aquele que faz pela criança, mas aquele que apresenta o objeto, demonstra seu uso e propicia a ação da criança. Elemento essencial ao desenvolvimento é a experimentação que a criança desenvolve independente do educador, o tateio com o material que encontra disponível no espaço onde vive.
Em outras palavras, o educador deve apresentar o mundo para a criança, estimular sua experimentação, fazer com ela e deixá-la explorar. O educador não faz pela criança nem para a criança, não é o controlador, o vigia, mas o mediador de sua experiência no mundo. É o responsável por intencionalizar seu crescimento garantindo que o mundo seja apresentado de forma cada vez mais rica para a criança: e isso pode ser feito levando a criança onde as coisas estão acontecendo (lá fora da escola para observar a natureza, a rua, a cidade, o museu, o teatro, o cinema, a biblioteca, o supermercado, a padaria... ) e enriquecendo o espaço da creche ou da pré-escola, trazendo o mundo lá de fora para dentro da creche (os objetos, as pessoas, os fatos).

*Uma contribuição muito importante para esclarecer com um exemplo prático a ação essencial do educador está no texto Espaço para crescer de Michele Zachold. Publicado em revista de educação norte-americana, foi traduzido para uso em sala de aula e encontra-se anexo. Neste ponto de nossos estudos, vamos lê-lo e discuti-lo. Outra leitura importante que discute a essencial atitude de escuta do educador em relação à criança –e que devemos fazer neste ponto- é o texto A Escuta Visível de Carla Rinaldi, pedagoga de Reggio-Emília. Este texto foi traduzido para uso em sala de aula e está anexo.

5. O registro do trabalho educativo

A atividade de registro/reflexão/documentação/comunicação é um momento de explicitação da identidade da creche e da pré-escola. As paredes de uma unidade educativa não devem ser mudas, mas anunciar o que se faz lá dentro, expor a vida que se vive lá dentro. É preciso mostrar o que se faz, assim valorizando o trabalho desenvolvido. Além disso, sem registro das experiências desenvolvidas não há como partilhar as experiências diferentes e sem partilhar não há crescimento das pessoas envolvidas nessa tarefa de construir a identidade educacional das nossas creches e pré-escolas. A própria relação creche/família ou pré-escola/família exige que se registre e documente o trabalho desenvolvido com as crianças e se quisermos fazer florescer essa relação, a comunicação com a família será essencial.
Por tudo isso, é preciso:
-         fornecer informações sobre o número de crianças atendidas, os horários de funcionamento, o número de profissionais que aí trabalham através de cartazes informativos colocados nas paredes de entrada da creche.
-         tornar visível o projeto educativo da unidade e o trabalho desenvolvido com cada turma, seus objetivos, suas rotinas, também através de cartazes
-         expor os resultados dos projetos, os materiais mais marcantes para as crianças, os materiais produzidos por elas.

Por que se registra o que se faz?
-         para promover a própria imagem da creche ou da escola
-         para dar a conhecer o projeto educativo
-         para instituir-se como fonte de informações para outros
-         para perceber melhor o trabalho que se faz
-         para fazer emergir a história, a memória do que se vive, se faz e se aprende.

Como se registra?

No processo de registro é preciso considerar o que se quer comunicar. De qualquer modo, é importante considerar:
-         a clareza da mensagem
-         a apresentação estética (os cartazes devem ser atraentes e comunicativos)
-         a coerência entre o texto escrito e as imagens de que se lança mão (de preferência fotografias que documentem a vida da creche e da pré-escola)
-         a resistência do material de modo que este que possa durar algum tempo em bom estado.

Há diferentes tipos de registro do trabalho.
- o livro de vida da turma, introduzido por Freinet para registrar coletivamente e a cada dia, as atividades desenvolvidas e os acontecimentos mais marcantes de cada dia na escola. No final de cada dia, na roda final da turma, a educadora registra as observações das crianças sobre o que fizeram, do que gostaram... As crianças podem ilustrar essa página que vai compor o livro de memórias da turma;
- a caderneta ou agenda de cada criança que vai e volta entre a família e unidade educativa onde família e escola vão registrando a conquista evolutiva da criança e todos vão acompanhando esse desenvolvimento. No quadro atual da situação das famílias, esta forma de registro do desenvolvimento da criança pode inclusive ser uma forma de garantir a atenção dos pais ao desenvolvimento da criança;
- a pasta de atividades feitas pela criança;
- um diário (que não precisa ser feito diariamente!) com a história de cada criança que o educador vai organizando (sempre que possível com fotos) e entrega para a criança ao final de sua permanência na creche (se a criança permanece cinco anos na creche, terá um diário com registro desses cinco anos ao final).

A educadora deve, também, manter um diário, onde registra o que acontece na creche, com sua turma, o que propõe, as soluções que aplica para os problemas que enfrenta com o grupo, o que aprende. Enquanto as crianças desenvolvem as atividades, a educadora observa suas atitudes na sua relação com os outros, consigo mesma, com os brinquedos, observa e faz anotações sobre comentários das crianças, questionamentos, interesses. Essas anotações servem depois para discutir com os colegas, para dar continuidade ao trabalho com o grupo, para redirecionar ou ampliar um projeto. Essas anotações servem também como elemento de reflexão para a educadora sobre sua prática e sobre sua relação com as crianças. Desta forma a documentação/o registro sistemático do que acontece na turma, permite que cada educadora se torne uma pesquisadora, ou seja, alguém que produz idéias sobre o currículo e sobre a aprendizagem das crianças em vez de ser uma consumidora de métodos e técnicas.
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Duas leituras são, ainda, obrigatórias neste primeiro semestre:
èMUJINA, Valéria – Psicologia da Idade Pré-Escolar. SP. Martins Fontes, 2001
èEDWARDS, C e outros – As Cem Linguagens da Criança. Porto Alegre: Artmed, 2000.
Bom trabalho! Metodologia da Educação Infantil FFC/ Unesp/ Marília- 2002


[1] MNATOVANI, S e BONDIOLI, A -  Manual de Educação Infantil, Artmed, 1998